Pesquisa da UFSC sugere que pequenos produtores de pinhão tenham atividade protegida

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e recentemente publicado no periódico internacional Climatic Change propõe, a partir do cruzamento de uma série de dados e de entrevistas, que os pequenos produtores extrativistas de pinhão tenham sua atividade protegida, com políticas públicas pensadas para resistir diante das mudanças climáticas dos últimos tempos.

O material traz como título uma grande questão que o grupo de cientistas do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFSC tentou responder: o conhecimento ecológico tradicional pode ser a chave para preservar a floresta com Araucária no Brasil diante dos impactos das mudanças climáticas? Para dar a resposta, eles utilizam o conceito de sistemas socioecológicos.

“Sistemas socioecológicos nada mais são do que locais onde há biodiversidade, onde há uso de manejo dos recursos naturais com grupos humanos específicos. São, geralmente, como comunidades tradicionais – como caiçaras, ribeirinhos e os coletores e catadores de pinhão aqui no sul do Brasil”, explica Mario Tagliari, principal autor da pesquisa, que é fruto de sua tese de doutorado defendida no programa e orientada pelo professor Nivaldo Peroni.

Entrevista no Paraná, próximo à Clevelândia. Fotos: Mario Tagliari/Divulgação.

A pesquisa leva em conta que os efeitos das mudanças climáticas se propagam do organismo para os biomas, influenciado estes sistemas. Para realizar a avaliação empírica e teórica, a equipe entrevistou 97 pequenos produtores e analisou o que seria o seu conhecimento ecológico tradicional – cuja sigla em inglês é TEK. Dados com projeções sobre mudanças climáticas e também do impacto socioeconômico do comércio da semente de pinhão de araucária também foram utilizados.

O pesquisador explica que o estudo inovou na metodologia justamente por tentar projetar a perda do conhecimento tradicional dos pequenos produtores, já que as estimativas sobre as mudanças climáticas em médio e longo prazo estão, de alguma forma, registradas pela literatura. “Estudos distintos chegaram a conclusões semelhantes de que, no futuro, a gente vai ter uma perda potencial de áreas climáticas favoráveis para a floresta de Araucária – entre 50% e 70% de perda de áreas climáticas favoráveis”.

A equipe, então, usou esses resultados projetando cenários para 2050 e 2070 destacados em quatro estudos e elaborou uma média da perda potencial. Depois, extraiu um gráfico em que se projeta também a perda do conhecimento tradicional dos pequenos produtores. Isso se deu pois o conhecimento tradicional e a forma como tais grupos interagem com as florestas é visto como um fator de preservação e “de provisão de serviços ecossistêmicos”.

Além do cruzamento dos dados obtidos nas entrevistas, os pesquisadores analisaram o impacto socioeconômico do comércio da semente de pinhão de araucária e o conhecimento etnoecológico sobre mudanças climáticas. “Encontramos evidências de que para frear as ameaças que pairam nas florestas com Araucária é fundamental valorizar os detentores de conhecimento tradicional, salvaguardar a interação socioecológica histórica e promover medidas para manter as florestas com Araucária resilientes a futuros distúrbios”, pontuam, no texto do artigo.

Ciclo coloca em risco grupos e florestas

Estoque de pinhas em Painel (SC)

A pesquisa traz à tona uma visão sistêmica do problema. A perda potencial da floresta causada pelo clima vai diminuir a safra e a colheita do pinhão da qual dependem os grupos tradicionais. Por sua vez, esses grupos se tornariam cada vez mais raros – e essa raridade, com a inevitável perda de conhecimento tradicional – também impactaria na preservação das florestas.

“A gente projetou que essa perda potencial da área climática da Araucária provavelmente vai interferir na produção de pinhão, que vai interferir na renda dessas famílias. Esse conhecimento pode acabar sendo perdido”, diz Tagliari. Esse conhecimento, segundo ele, envolve desde noções do comportamento da espécie de Araucária, de onde ela pode estar no tempo e no espaço, da sua produtividade e também das variedades do pinhão.

A pesquisa encontrou evidências de que evitar a destruição das florestas de araucárias é fundamental para valorizar os detentores do conhecimento tradicional e manter a interação socioecológica histórica protegida. “A gente mostrou que essa projeção de perda pode ser extremamente maléfica para o ecossistema, porque esses são atores que atuam na preservação da Araucária. O extrativismo, indiretamente, mantém essas florestas”, argumenta.

O estudo foi realizado em toda a extensão da distribuição original onde ainda ocorrem essas interações entre grupos humanos e Araucária, em planaltos de altitude acima de 500 metros, especialmente na região Sul do Brasil e em algumas regiões do Sudeste. Entre os grupos que dependem da interação com a floresta, a pesquisa cita, além dos pequenos produtores, grupos indígenas.

Mudanças climáticas causarão perda de 49% até 2050, estima estudo

Alfredo Wagner (SC)

Para estimar perdas potenciais de serviços ecossistêmicos devido à mudança climática em todo o sistema da floresta com Araucária, os pesquisadores selecionaram os últimos estudos revisados ​​por pares que mostram os impactos das mudanças climáticas nesse sistema. “Definimos a perda média de áreas climaticamente adequadas para avaliar como as mudanças climáticas podem reduzir o habitat adequado no futuro”, explica o artigo.

Segundo a média calculada a partir destes estudos, em 2050, a redução das áreas adequadas da floresta deve ser de 49%. Além disso, não mais do que 10% da distribuição projetada será coberta por áreas protegidas. “Esses grupos dependem da floresta em pé para ter recursos, então, se a mudança climática realmente acontecer, se as previsões que estão sugerindo essa perda se confirmarem, muita gente vai ser afetada” comenta.

Esses números também foram confrontados com uma base de dados (SIDRA/IBGE) que indica a importância financeira da Araucária a partir de métricas do IBGE: foram colhidas quase 15.000 toneladas de pinhão em 2021, com indicativo de um aumento do valor comercial desde 2010 e uma tendência crescente no futuro. “E isso exclui o mercado indireto, daquelas pessoas que vendem em beira de estradas ou para atravessadores”, pondera Tagliari.

Por isso, ressalta, é importante garantir que esses grupos e seu conhecimento acumulado no dia a dia do manejo não se percam. “É importante pensar na necessidade de valorizá-los. Há poucas famílias nessa posição. Geralmente, são famílias vulneráveis. Se desaparecer ou diminuir drasticamente o recurso das quais elas dependem, conforme indicam as projeções, a tendência é que os próprios grupos desapareçam”.

Etnovariedades mais abundantes são produzidas de março a julho

Por meio das entrevistas com os produtores, a pesquisa também garimpou dados sobre variedades do pinhão, além de outras questões ligadas ao dia a dia do cultivo a partir da perspectiva deles. Os participantes citaram, em média, três etnovariedades e outros 25% descreveram pelo menos quatro etnovariedades. Os principais tipos citados foram identificados em diferentes épocas, sugerindo a produção de pinhão ao longo do ano, especialmente de março a dezembro.

Urubici (SC)

Tipos de pinhão como Do Cedo e Cajuvá foram classificados como as mais abundantes, o que confirma seu pico de produção entre março e julho. Macaco é a etnovariedade mais rara segundo 67% dos entrevistados. “Também registramos algumas novas etnovariedades de pinhão na área de estudo. Normalmente, as etnovariedades Cajuvá, Macaco, Do Cedo e Do Tarde são comumente descritas nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No entanto, no município de Cunha, na região da Serra da Mantiqueira, no estado de São Paulo, as etnovariedades mais citadas foram Caiano e Roxo”, aponta o estudo.

Os entrevistados também puderam descrever como eles percebem os efeitos das mudanças climáticas: 92% acreditam que elas têm impactos no ecossistema. Temperaturas mais altas, invernos mais amenos e menos geadas foram os principais aspectos descritos por 74% dos entrevistados como consequências. A imprevisibilidade climática surgiu nas respostas de 46% dos entrevistados.

“O que eu sugiro é que esses grupos humanos sejam considerados patrimônio histórico cultural, com incentivos e decisões do governo que os valorizem. O que a gente mais nota é que muitos ganham a vida assim há décadas, como subsistência de boa parte das famílias. Indiretamente essas pessoas estão preservando um ecossistema bastante fragilizado por causa do desmatamento. Eles são os principais atores que mantêm essa floresta ainda resiliente”.

Amanda Miranda/Jornalista da Agecom/UFSC

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