Suicídio pode ser provocado por ‘defeito’ em região do cérebro, revela estudo

Ideações suicidas podem estar relacionadas a aspectos biológicos e não apenas a questões psicológicas ou comportamentais, revelou uma pesquisa brasileira, publicada neste ano na revista científica Psychiatry Research. Conforme o estudo, os cérebros de pessoas que morreram em decorrência ao suicídio tinham mais problemas em controlar emoções do que os de indivíduos que faleceram por outros motivos.

Cérebro humano com o córtex pré-frontal destacado, responsável por alterações que podem levar ao suicídio

Estudo analisou alterações no córtex pré-frontal – Foto: Reprodução/ND

Os pesquisadores chegaram à conclusão estudando questões biológicas do cérebro, principalmente do córtex pré-frontal, região do cérebro que desempenha papel importante em várias funções cognitivas e comportamentais.

Além disso, eles encontraram possíveis biomarcadores no sangue, que futuramente podem ajudar a diagnosticar a condição e servir como um “exame de risco” suicida.

Mesmo que pouco comentado, o suicídio é uma das principais causas de morte no mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), com cerca de 700 mil casos todos os anos.

Uma das autoras do estudo, Manuella Kaster, que também é professora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), acredita que o trabalho pode ajudar na criação de novos tratamentos no futuro. “É importante que as pessoas saibam que essa é uma condição que pode ser manejada”, apontou.

“Um dado notável observado em diferentes estudos é que muitos indivíduos procuram serviços de saúde no ano anterior à tentativa de suicídio ou ao suicídio. Mas, devido às dificuldades na identificação do risco, não recebem a atenção que poderia evitar o desfecho”, completou.

Como foi realizada a pesquisa

No estudo, foi considerado a ideação suicida como um termo amplo para definir desejos e pensamentos sobre acabar com a própria vida, separados em esforços passivos (sem um plano) e ativos (com um plano).

O grupo revisou e reanalisou uma grande quantidade de dados presentes em 17 estudos que apontaram informações sobre alterações moleculares no cérebro e no sangue de pessoas que cometeram suicídio e compararam com dados de indivíduos que morreram por outras causas. O córtex pré-frontal foi a região cerebral mais avaliada.

Centro de relações internacionais da UFSC

Pesquisa teve colaboração de professora da UFSC – Foto: Divulgação/UFSC/ND

“Essa região do cérebro apresenta uma grande conexão com os centros de controle emocional e de controle de impulsos. É fundamental em processos de flexibilidade comportamental e de tomada de decisão. Alterações em sua estrutura ou função podem ser extremamente relevantes no contexto do comportamento suicida”, ressaltou Kaster.

O pesquisador que também fez parte do estudo, Daniel Martins-de-Souza, e é professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), explicou que o grupo usou ferramentas biológicas como a transcriptômica, a proteômica e a metabolômica para avaliar e comprar genes, proteínas e metabólitos presentes nas amostras.

Com os dados em mãos, o grupo desenvolveu um algoritmo para identificar alguns mecanismos biológicos associados ao suicídio. Alterações em sistemas de neurotransmissores, em especial de neurotransmissores inibitórios, apareceram como as principais modificações observadas.

“As alterações moleculares foram principalmente associadas com células gliais, como astrócitos e micróglia, que apresentam interação próxima e dinâmica com os neurônios e são fundamentais no controle da comunicação celular, metabolismo e plasticidade”, apontou Martins-de-Souza.

Fatores de risco ao suicídio

De acordo com a OMS, o número de mortes resultantes dessa condição é alarmante entre pessoas de 15 a 29 anos. Nessa faixa etária, o suicídio representa a quarta principal causa de morte.

Os dados, de 2019, foram obtidos na última edição do GBD (Global Burden of Disease), estudo epidemiológico que reúne mais de 200 países e fornece um quadro abrangente das principais causas de mortalidade e incapacidade global.

A pesquisa Psychiatry Research foi importante para contribuir na redução de mortes entre os jovens, porque o córtex pré-frontal é uma das últimas regiões do cérebro a ficar madura.

Segundo Kaster, as alterações em mecanismos de plasticidade no córtex pré-frontal, afetadas pelos diferentes fatores de risco (sociais, culturais, psicológicos, etc.), podem ter um impacto significativo no controle emocional e comportamental em indivíduos jovens.

Em relação aos fatores de risco, são vários associados ao suicídio, incluindo histórico familiar, traços de personalidade, condições socioeconômicas, exposição a ideias nocivas nas mídias sociais e presença de transtornos psiquiátricos, principalmente a depressão e o transtorno bipolar.

Número do CVV, para ajudar pessoas com ideações suicidas

Número do CVV – Foto: Divulgação/CVV/ND

A professora também aponta que as mortes por suicídio são mais comuns em pessoas do sexo masculino, mas as tentativas são mais frequentes em pessoas do sexo feminino. “Mas isso se deve ao potencial de letalidade e agressividade dos meios utilizados e diferenças em aspectos comportamentais”, apontou.

“Desde a ideação até a execução, o suicídio deve ser levado a sério. Ele é uma causa de morte evitável com intervenções oportunas. E esta é a principal motivação de nosso estudo. É preciso reduzir o estigma e compreender, de forma ampla e profunda, os diferentes aspectos biológicos, sociais e culturais envolvidos nas alterações de comportamento”, reforçou.

Procure ajuda

Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida) e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade.

O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

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