Um mês após sanção de Lei, SC continua sem delegacias da mulher 24h; especialista comenta

No dia 4 de abril deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a Lei nº 14.541/2023, que regulamenta o funcionamento das Delegacias Especializadas de Apoio a Mulher em território nacional. De responsabilidade dos governos estaduais, em Santa Catarina, essa função fica a cargo das DPCAMIs (Delegacias de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso).

Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher em Blumenau não atende 24 horas por dia – Foto: Arquivo/Divulgação/Google Street View/ND

Mesmo com uma Lei já vigente há um mês e com efeito imediato, a DPCAMI de Blumenau, no Vale do Itajaí e também todas as demais 31 estruturas semelhantes em toda Santa Catarina não operam de forma ininterrupta, por falta de efetivo. A informação já foi repercutida em reportagem do ND+ no mês passado.

Em toda Santa Catarina, existe uma Delegacia de Polícia de Atendimento a Mulher na DEIC (Diretoria Estadual de Investigações Criminais), em Florianópolis. A estrutura opera 24 horas por dia e é acionada em casos mais complexos.

Porém, cidades importantes do estado, como por exemplo Blumenau, que possui uma DPCAMI no bairro Victor Konder, não tem previsão para o atendimento 24 horas na sua delegacia especializada, conforme previsto em Lei.

“Não é possível estender o atendimento das DPCAMIs para 24h sem aumento de efetivo. Existe uma questão fiscal e orçamentária do Governo do Estado que precisa ser vencida”, disse a delegada Patrícia Zimmermann, coordenadora das DPCAMIs de Santa Catarina, em entrevista ao ND+ há um mês.

Apesar do efetivo reduzido, saiba quais providências estão sendo tomadas

Como forma de tentar cumprir a exigência, a Polícia Civil de Santa Catarina possui uma Delegacia Virtual que permite a mulheres vítimas de violência de forma online. Na plataforma, é possível fazer boletim de ocorrência e até mesmo a requisição de medidas protetivas.

Outra ferramenta disponibilizada como forma de realizar um atendimento mais humanizado a mulheres vítimas de violência é a Sala Lilás. A estrutura está disponível em 12 delegacias de várias regiões de Santa Catarina e também em delegacias que operam 24 horas por dia.

A Sala Lilás é um espaço criado para prestar atendimento especializado e humanizado às mulheres vítimas de violência física e sexual, de forma acolhedora.

Especialista comenta situação de Santa Catarina

Mesmo não sendo cumprida, a nova Lei não prevê uma punição ao estado que descumprir a nova regra. Na visão de Décio Franco David, advogado criminalista e professor de Direito Penal, a falta de efetivo é uma resposta evasiva ao problema histórico de violência contra a mulher no Estado.

“Se a Lei determina, o Estado é obrigado a arcar. (…) Principalmente o Estado de Santa Catarina, que está fazendo um pacote econômico de restrição de verbas, de direcionamento do planejamento para dar incentivo fiscal às empresas. Como o governo atual está fazendo, isso demonstra um comprometimento de escolha estatal em não dar o suporte adequado para a população”, opina o advogado.

Segundo o especialista, entidades de proteção aos direitos da mulher possuem legitimidade para buscar órgãos como a Defensoria Pública e até mesmo o Tribunal de Contas do Estado para viabilizar o cumprimento a determinação federal.

Décio Franco David é professor universitário, advogado criminalista e presidente do Conselho Estadual da Anacrim no Paraná – Foto: Décio Franco David/Arquivo Pessoal/Reprodução/ND

Outro caminho também apontado pelo especialista seria recorrer ao FNSP (Fundo Nacional de Segurança Pública), que é citado na nova Lei. Na visão de Décio, que também é presidente do Conselho Estadual do Paraná na Anacrim (Associação Nacional da Advocacia Criminal), existem meios para o Estado driblar a questão.

“Claro que a culpa não é dos delegados de polícia (…), pois para que consiga cumprir a regra, o delegado precisa da estrutura que tem que ser fornecida pelo chefe do executivo. Cabe então ao Ministério Público, cabe então à Defensoria Pública acionar o Judiciário, ou dependendo do tipo de ressalva que o Estado fizer, se for o caso, acionar o TCE (Tribunal de Contas do Estado), para verificar o porquê não existe direcionamento de verba à Polícia Civil. Não cabe à autoridade policial falar que não vai cumprir, ela tem que cumprir, até porque está na Lei”, defende.

Polícia Civil rebate por meio de nota

Após a repercussão da sanção da nova Lei, ainda em abril, a Polícia Civil emitiu uma nota à imprensa divulgando as ações tomadas no sentido de se enquadrar no novo regramento federal.

Após ouvir o especialista, a reportagem do ND+ tentou um novo contato com a assessoria de imprensa da Polícia Civil de Santa Catarina, questionando se havia algum plano de trabalho para a implementação de DPCAMIs 24 horas por dia em Blumenau ou outras regiões do Estado.

O órgão também foi questionado se havia alguma nova providência a ser tomada, como a ampliação das Salas Lilás pelo Estado. Contudo, não houve resposta até o fechamento desta matéria, além da nota oficial que pode ser conferida abaixo:

“A Polícia Civil de Santa Catarina atende mulheres vítimas de violência doméstica 24 horas por dia por meio da Delegacia Virtual (www.pc.sc.gov.br), que pode ser acessada de qualquer lugar e a qualquer tempo. Na Delegacia Virtual, as vítimas podem fazer o Boletim de Ocorrência e, inclusive, pedir medidas protetivas que são imediatamente encaminhadas ao Poder Judiciário, uma ferramenta muito eficiente e pioneira no país.

Fora do horário de expediente das DPCAMIS (delegacias especializadas no atendimento à mulher), as vítimas são atendidas nas Centrais de Plantão Policial Civil (CPP), onde há 10 Salas Lilás no Estado. Esses espaços são destinados a acolher a mulher vítima de violência, evitando que ela fique exposta na delegacia e seja revitimizada.

A autoridade policial responsável na CPP pode solicitar a medida protetiva, se for o caso e, depois de ter dado o primeiro atendimento, a ocorrência é encaminhada para uma das 32 DPCAMIs do Estado, que farão o encaminhamento da demanda juntamente à rede de proteção constituída em cada município.

A primeira experiência de Sala Lilás foi feita na CPP da Capital e o resultado tem sido positivo. Com base nesta experiência, a PCSC tem trabalhado na expansão desse projeto para as outras CPPs do estado e até mesmo para regiões que ainda não contam com CPP estruturada. Importante destacar que a PCSC trabalha para que nenhuma mulher vítima de violência fique sem atendimento necessário independente do dia, local ou horário.

Além disso, há uma Delegacia de Proteção à Mulher na DEIC que atua investigando os casos de maior complexidade e de abrangência estadual, dando especial atenção à resolução desses casos.

A Polícia Civil não tem condições para se adequar à nova legislação neste momento, até porque a lei não prevê recursos para tal, o que deveria acontecer e, desde já, ressalta que nenhuma mulher vítima de violência que procurar a PCSC ficará sem o atendimento devido”.

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