Comunidade quilombola de SC aposta na educação para manter tradições em meio ao crescimento urbano


Encravada na área urbana do município de Araranguá, um dos maiores do sul do estado, comunidade relata preconceitos e busca preservar identidade. Projeto resgata expressões culturais negras do Sul do Brasil
A comunidade quilombola Maria Rosalina, uma das 21 remanescentes catalogadas em Santa Catarina, está situada na zona urbana de Araranguá, a cerca de 218 quilômetros de Florianópolis, e convive com o dilema de manter tradições históricas e territoriais em meio à expansão urbana da cidade, uma das maiores do sul do estado.
As terras onde hoje é a comunidade foram doadas a um ex-escravizado vindo do Rio Grande do Sul. José Marcília, mais conhecido como Zeca Marcília, foi o primeiro morador do quilombo e nas terras constituiu família no início dos anos 1900.
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Custódia Anacleto foi por muito tempo uma das moradoras mais antigas da comunidade quilombola. Hoje, líder do grupo, busca a preservação dos saberes ancestrais e da identidade cultural trazida do tempo da escravidão pelos seus antepassados
“Aqui é o lugar onde a gente nasceu, e é um lugar bom (…) é um lugar bom porque é tudo família”, conta.
Ela relembra que viu a comunidade perder espaço para os edifícios e para a construção imobiliária no entorno. “Tinha a casa dos pobres que ficava desse lado aqui, era tudo campo. Era maior. Aí hoje só tá nesse pedacinho, foram pegando”, detalha.
As primeiras famílias da Maria Rosalina foram os Acordi, Lopes e Anacleto. Eles viviam do que plantavam, e as mulheres trabalhavam em casas de famílias da localidade como cuidadoras de crianças e amas de leite. Já os homens, trabalhavam na roça, descarregando caminhões na beira da estrada, e na construção.
Comunidade quilombola Maria Rosalina luta para manter tradições
Deivide Sacramento/NSC TV
Preconceito
No passado, a comunidade recebeu pejorativamente o apelido de “buraco quente”, devido aos habitantes negros e discussões acaloradas que aconteciam na vila. Um padre tentou ressignificar o local mudando o nome para Vila Samaria.
Custódia sente que até hoje existe preconceito contra as pessoas do quilombo. “Existe muito. Em todos os lugares, é no ônibus, é na escola… na estrada. É que não dão bom dia, não dão boa tarde. Não precisa dizer mais nada, né?”, lamenta.
Para fazer um resgate das memórias, a comunidade criou a Associação dos Remanescentes de Quilombo Maria Rosalina. O nome foi uma homenagem a duas mulheres negras que constituíram suas famílias no local: a Maria e a Rosalina.
A partir de então, a comunidade passou a ser chamada oficialmente de Maria Rosalina. A quilombola Maria de Lurdes lembra do laço afetivo com as ancestrais que deram nome à comunidade e como elas ajudaram a construir o lugar.
“Era essa senhora, que é irmã da minha falecida vó. Aí era tudo que veio primeiro, e a gente foi ficando”, diz.
Segundo informações do Cadastro Único, do Governo Federal, e das lideranças quilombolas Movimento Negro e Conselho Estadual da População Afrodescendente, atualmente existem 21 comunidades de remanescentes quilombolas em Santa Catarina.
Elas estão localizadas em 16 municípios, e ao todo são 1.350 famílias. Quatro dessas comunidades ficam no sul do estado, incluindo a Maria Rosalina, onde vivem 36 famílias.
Acesso à comunidade Maria Rosalina fica encravado em meio à urbanização de Araranguá
Deivide Sacramento/NSC TV
Desafios da educação
Um dos grandes desafios da comunidade é a alfabetização. Em 2009, a coordenadora de Educação Quilombola, Lúcia Gonçalves Mina, se juntou à Associação dos Remanescentes de Quilombo Maria Rosalina, para enfrentar esse problema.
“Percebemos que uma grande parte da comunidade não era alfabetizada. Na época eram cerca de 60% dos adultos que eram alfabetizados. Iniciamos com um processo de alfabetização e elevação da escolaridade, e fomos em busca de recursos para o crescimento da comunidade”, lembra.
Graças ao trabalho realizado, atualmente 98% do Quilombo Maria Rosalina sabe ler e escrever, e os que ainda não são alfabetizados estão frequentando a escola.
“Na educação quilombola nós temos uma matriz própria e trabalhamos com a pedagogia da alternância. São três dias em sala de aula, onde o aluno eleva a escolaridade. E nos outros dias trabalhamos dentro da comunidade com projetos de intervenção”, pontua.
Mas a comunidade anseia mais avanços na educação. Atualmente, os moradores da Maria Rosalina precisam percorrer cerca de 4 quilômetros para ir à escola mais próxima.
“Eles querem que seja criada uma escola, ou uma sala multiuso dentro da comunidade. A nossa escola hoje funciona anexo ao Centro de Educação de Jovens e Adultos do estado. Somos uma unidade descentralizada, é como se fosse uma escola dentro de outra escola. Seria melhor se tivéssemos uma escola própria dentro da comunidade”, cobra.
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