Desigualdade afasta estudantes pobres da carreira dos sonhos

Uma pesquisa recente, publicada na revista Sociological Science e apoiada pela FAPERJ, revela como os recursos familiares, como renda, moldam o acesso ao ensino superior no Brasil. Mesmo com as políticas de cotas, estudantes de famílias mais ricas seguem em dupla vantagem: têm mais chances de obter boas notas para ingressar nas concorridas universidades públicas e, mesmo com notas medianas ou baixas, podem optar por seguir os estudos desejados em instituições privadas. Já os mais pobres, muitas vezes, ajustam suas aspirações de carreira ou desistem de ingressar no ensino superior.

O estudo analisou dados dos censos Escolar e do Ensino Superior e do Enem, acompanhando 1,1 milhão de estudantes que concluíram o Ensino Médio de 2012  até 2019. “No Brasil, é raro termos acesso a informações tão detalhadas sobre o desempenho acadêmico e as condições socioeconômicas dos estudantes. Esta é uma pesquisa completamente original e abrange toda uma geração”, acrescenta Flávio Carvalhaes, coautor do estudo, diretor do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdade (NIED) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que recebe apoio para a realização de suas pesquisas por meio do programa Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ.

Os resultados mostram que, entre os estudantes de maior renda familiar, apenas os que alcançam as notas mais altas no Enem tendem a optar pelas universidades públicas. Aqueles com pontuações medianas e baixas, geralmente, escolhem faculdades privadas, priorizando o curso desejado (mesmo quando poderiam ser admitidos em outros cursos públicos). Em contraste, os alunos de baixa renda ajustam suas expectativas conforme o desempenho no Enem, para garantir uma vaga em qualquer curso gratuito disponível.

A partir da esq., Carlos Antonio Costa Ribeiro, Rogério Jerônimo Barbosa, Flávio Carvalhaes e Adriano Senkevics: artigo produzido pelos pesquisadores foi publicado no periódico Sociological Science 

“Estudantes de famílias ricas têm mais chances de continuar estudando, mesmo com notas baixas, graças às faculdades privadas. Já os de baixa renda dependem muito mais do desempenho no Enem e, muitas vezes, não encontram alternativas viáveis para continuar os estudos”, explica Adriano Senkevics, primeiro autor do estudo, que utilizou esses dados em sua tese de doutorado, premiada entre as melhores do País. Durante a pesquisa, Adriano atuava no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mas agora é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Os autores destacam a importância desses resultados para a formulação de políticas públicas. “A promoção de alunos de baixa renda em instituições de excelência passa pela melhoria do Ensino Médio. Além disso, as políticas de cotas são eficazes, favorecendo um grupo pequeno, mas altamente competitivo, que de outra forma não teria chance de ingressar no ensino superior”, afirma Flávio Carvalhaes. Ele também aponta a necessidade de tornar o ensino privado mais acessível aos estudantes de baixa renda, por meio de financiamentos subsidiados e condições de pagamento acessíveis, sem descontinuidades, como aconteceu com o Fies. “Mas é importante monitorar a qualidade desses cursos para que os esforços financeiros e de tempo dos estudantes mais vulneráveis não sejam desperdiçados em cursos que não ajudarão a promover os resultados que procuram em sua vida profissional”, completa.

O estudo contou com a participação dos pesquisadores Carlos Antonio Costa Ribeiro e Rogério Jerônimo Barbosa, ambos professores do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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