Luzes, avistamentos e mistérios: investigando a ‘Noite Oficial dos OVNIs’

O ano de 1986 foi marcado por mudanças significativas no Brasil. Foi um ano de transição, com a morte de Tancredo Neves, a primeira eleição direta para presidente após o regime militar e a realização da Copa do Mundo no México.

Mas não foi só isso que marcou o ano de 1986 no Brasil. Na madrugada do dia 19 de maio, uma série de avistamentos de objetos voadores não identificados causou alvoroço e mistério em diversas regiões do país.

Na madrugada do dia 19 de maio de 1986, uma série de avistamentos de objetos voadores não identificados causou alvoroço e mistério em diversas regiões do país. Foto: Thiago Keller/Reprodução/ND

Conhecida como a “Noite Oficial dos OVNIs”, essa data desperta a curiosidade de muitos . E se você também é um dos que se interessam por esse assunto, essa matéria especial vai contar tudo o que se sabe sobre essa noite misteriosa.

Quem contribui com a narração cronológica dos fatos ao ND+ é o pesquisador oficial do caso, o ufólogo Jackson Luiz Camargo, criador do “Portal Fenomenum” que em 1997 fundou o GEPUC (Grupo de Estudos e Pesquisas Ufológicas de Curitiba), também fez parte do Conselho Editorial da Revista UFO.

O especialista foi um dos pioneiros á buscar maiores informações sobre o evento. “Desde que eu estudo ufologia ouço falar sobre o assunto e me despertou muito o interesse em função da grandiosidade do evento, porém pouco se sabia sobre esse caso, e não se via relato de pilotos civis, controladores de voo e outras testemunhas” revelou Jackson Camargo.

Bem-vindo à “Noite Oficial dos OVNIs”

As primeiras horas

Os primeiros avistamentos ocorreram nas proximidades de São José dos Campos, São Paulo, por volta das 17h, do dia 19 de maio de 1986, uma segunda-feira. Testemunhas relataram ter observado objetos reluzentes agindo de forma inteligente, analisando aeronaves e até brincando com os pilotos dos caças da Força Aérea Brasileira.

Os primeiros relatos de avistamentos começaram às 18h30, destacando-se as observações feitas pelo 2S QSS BCT Sérgio Mota da Silva (1957), operador na Torre de Controle do Aeroporto de São José dos Campos (TWR-SJ), em São Paulo. Ele informou à patrulha que estava avistando uma luz no setor noroeste do aeródromo:

“Tem algo aqui no setor noroeste de São José. Uma luzinha, sabe, mas… estou olhando atentamente, e o objeto está parado: não sobe nem desce, não se move para a esquerda nem para a direita, está ali parado. Não, estou olhando, não é uma estrela. É uma luz. Não consigo… não consigo distinguir nada, é apenas um pequeno ponto de luz. Estranho. Está alto. Agora desapareceu na névoa.”

A aparição de novos objetos voadores não identificados (óvnis), mais dinâmicos, levou o chefe do Centro de Operações de Defesa Aérea (CODA), Major Aviador Ney Antunes Cerqueira (1949-2014), a ordenar duas operações de interceptação utilizando caças F-5E Tiger II e Dassault Mirage III, sendo um destacado da Base Aérea de Santa Cruz (BASC), no Rio de Janeiro, e o outro da BAAN (Base Aérea de Anápolis), em Goiás. No total, cinco caças foram enviados: dois F-5E da BASC e três Mirage F-103 da BAAN.

Naquela noite, em 19 de maio de 1986, oficialmente a FAB (Força Aérea Brasileira) afirmou que esses cinco caças decolaram do solo brasileiro para interceptar OVNIs nos céus de São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás. Conheça agora os principais relatos dos pilotos naquela noite.

O voo de Kleber Caldas Marinho sobre o mar

O ufólogo explica que, neste caso, o Tenente Kleber decolou da base aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro em direção á São José dos Campos, em São Paulo. O piloto iniciou uma movimentação de circulação pelo espaço aéreo da cidade, buscando o objeto que estaria manobrando naquele espaço aéreo.

O tenente Kléber observou que os números nos instrumentos estavam incertos – Foto: Reprodução/ND

“Em dado momento o tenente observou uma luz em direção ao litoral e iniciou uma perseguição á essa luz, que manobrou descendo e subindo e se afastando em direção á sudoeste, como se estivesse indo em direção ao litoral do Paraná”.

O piloto em perseguição ao objeto foi avançando até cerca de 180 milhas mar a dentro. Camargo destaca um ponto interessante até agora “nesta perseguição do tenente Kléber, os instrumentos de bordo começaram a falhar”.

Para entender melhor, o ufólogo explica que dentro dos caças existem dois instrumentos que é o ADF e o DME. O ADF indica a direção onde está a BA (Base Aérea) para que ele possa retornar e o DME indica a distancia de onde ele está para a base.

Assim, o tenente Kléber observou que os números nos instrumentos estavam incertos, e ao passar um comunicado para a base de controle indagando qual a distancia os radares indicavam, ele percebeu que os marcadores não estavam corretos. O piloto apenas conseguiu retornar a base com auxilio da torre de controle.

Armindo Sousa Viriato de Freitas e os óvnis hipersônicos

O Capitão Armindo Viriato decolou da base de Anápolis, em Goiás, e foi interceptar objetos naquela região. Em determinado momento ele começou a perseguir um objeto que foi classificado pelo próprio capitão como “arredio”. O piloto captava ele no radar de bordo e ele conseguia se aproximar, passou acima da velocidade do som e, com certo custo, conseguiu diminuir a distancia em relação ao objeto.

“Segundo o piloto esse objeto ficava “dançando” em frente ao avião, fazendo movimento de zigue-zague, isso acima da velocidade do som, algo que não condiz com o aparato tecnológico da época. Em dado momento esse OVNI acelerava em uma velocidade tão alta que o radar interno da aeronave perdia a detecção, calculando a velocidade total do objeto em MACH 15 (15 vezes a velocidade do som)”, explica o ufólogo.

Márcio Brisolla Jordão e a interferência no radar

O terceiro caça da Força Aérea Brasileira, um F5-E com prefixo FAB 4849 e codinome Jambock 07 (JB 07), decolou da Base Aérea de Santa Cruz (BASC) às 22h50, tendo como piloto o capitão-aviador Márcio Brisolla Jordão (1957).

Durante as comunicações por rádio, o controlador de voo identificou-se como Lince 45 e direcionou Brisolla Jordão para investigar uma série de alvos registrados no radar. Em menos de dez minutos de orientação, diversos objetos imóveis foram observados atrás da aeronave, resultando em uma ordem para realizar uma curva de 180º para a direita. No entanto, nenhum contato visual ou no radar de bordo foi obtido.

As buscas foram inicialmente realizadas em Santa Cruz e depois em São José dos Campos, sem que o piloto notasse algo anormal, apesar da noite clara, sem nuvens e com uma lua cheia. As detecções eram intermitentes e desapareciam quando a aeronave se aproximava do local indicado. Após cerca de meia hora de voo, o capitão avistou uma luz vermelha ao longe, a uma altitude mais baixa e próxima a São José dos Campos.

O controlador confirmou a detecção. Jordão tentou se aproximar, mas o objeto desapareceu do radar de solo e a luz se apagou logo depois. Quase imediatamente, ele avistou outras duas luzes, uma fixa e outra piscando, ambas de cor branca, mas concluiu que se tratavam de luzes de uma estação terrestre equipada com antenas altas e lâmpadas anticolisão.

Ao adentrar uma área mais propensa a detecções de objetos no sul de São José dos Campos, o piloto notou que o radar de bordo exibia uma série de traços diagonais intermitentes, algo incomum, conforme relatou ao controlador: “Na tela do radar, aparecem uns riscos tarjados assim, meio em diagonal. Não é normal, assim.” Esse problema persistiu até que a aeronave saiu daquela região mencionada.

Pouco depois, de acordo com o relato registrado em parte na Base Aérea de Santa Cruz em 28 de maio de 1986, Jordão avistou uma luz vermelha na linha do horizonte, em direção ao mar. Ele comunicou à Defesa Aérea e o controlador confirmou o contato, instruindo-o a tentar interceptar a fonte da luz.

No entanto, essa tentativa não obteve sucesso. Com o combustível começando a escassear, Jordão retornou a Santa Cruz, onde aterrissou às 0h05 do dia 20 de maio. No total, essa experiência durou 75 minutos, desde as 22h50 até as 0h05.

Rodolfo da Silva Souza e o OVNI inteligente

O Capitão Rodolfo é um caso interessante, segundo o ufólogo, ele fez a perseguição na mesma área que Viriato também atuou, entre Goiânia e Anápolis. Porém ele perseguiu um outro objeto, que não era tão ‘arredio’ pois apresentava um comportamento de curiosidade em relação á aeronave.

Muitas vezes o próprio objeto já antecipava a manobra seguinte do avião se colocando na frente da aeronave – Foto: Reprodução/ND

“Ele sempre voava perto do avião, ficava na mesma velocidade, cerca de uma milha, e passava por cima, por baixo, pelo lado, como se tivesse analisando o avião”.

Muitas vezes o próprio objeto já antecipava a manobra seguinte do avião se colocando na frente da aeronave. Demonstrando uma característica inteligente e também de personalidades diferentes destes objetos.

As tentativas de Júlio Cézar Rozenberg

O quinto e último caça, um Mirage F-103 decolou da BAAN às 23h36, pilotado pelo capitão-aviador Júlio Cézar Rozenberg.

Por três vezes, Rozenberg foi deslocado para interceptar um alvo que estava evoluindo nas proximidades da BAAN (Base Aérea de Anápolis). Chegou a ficar à distância de 1 milha náutica (1,85 km) do óvni, sem nunca obter contato radar ou visual. O voo durou ao todo 54 minutos, das 23h36 de 19 de maio de 1986 à 0h30 do dia seguinte.

Coletiva de imprensa da FAB

No dia 23 de maio de 1986, o Ministro da Aeronáutica na época, o Tenente-Brigadeiro Ar Octávio Júlio Moreira Lima, concedeu uma entrevista coletiva à imprensa acompanhado pelos pilotos dos caças, confirmando os eventos ocorridos.

Foi nesse momento que os acontecimentos daquela noite passaram a ser conhecidos como a “Noite Oficial dos OVNIs”.

A liberação dos documentos

Em 25 de setembro de 2009, a FAB divulgou um relatório oficial sobre o caso, que concluiu que os fenômenos observados eram sólidos e demonstravam inteligência ao acompanhar e manter distância dos observadores, além de voarem em formação, possivelmente sem tripulação.

Em outubro de 2015, o Arquivo Nacional disponibilizou gratuitamente 16 áudios da 3ª remessa do “Fundo Óvnis”, que inclui oito gravações das conversas entre pilotos, controladores aéreos e o sistema de defesa brasileiro na noite de 19 de maio de 1986.

Os áudios revelam que dezenas de objetos foram detectados por radar, sendo observados e perseguidos pelos pilotos, exibindo comportamentos incomuns durante todo o episódio.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.