Do homem da cobra ao cantor da calça rasgada: histórias de artistas do Centro de Florianópolis

Mercado Público de Florianópolis, Praça XV de Novembro e Catedral Metropolitana: é no Centro da Capital de Santa Catarina onde estão tradicionais itens da cultura manezinha. É lá, também, que os artistas de ruas se acomodam para promover a sua arte, que variam desde apresentações de músicas clássicas à produção manual de artesanatos.

Adir Borges, mais conhecido como Mensageiro Sertanejo, está presente na esquina do Mercado Público todos os dias das 7h ao 12h. – Foto: Júlia Venâncio/ND

O mensageiro de 1,6 mil músicas

O manezinho Adir Borges, de 72 anos, é um dos artistas de rua do Centro de Florianópolis. O músico, que prefere ser chamado de Mensageiro Sertanejo, em referência ao gênero musical tocado por ele, está presente na esquina do Mercado Público com o camelódromo das 7h ao 12h todos os dias da semana, desde 2020.

“Trabalho com música há 30 anos. Tenho 1.634 composições próprias, 13 CDs gravados e uma banda chamada de Mensageiro Sertanejo”, conta.

Adir relata que a inspiração para tantas composições surge através das pessoas em que ele observa todos os dias nas ruas.

“Outro dia chegou uma senhora pra mim e disse: ‘você não está com vergonha de estar essas calças rasgadas? Você, um homem velho?’. E eu fiz uma música com isso: ‘eu uso calça rasgada, tu não tem nada a ver com isso, comprei com o meu dinheiro que ganho do meu serviço. Toma cuidado senhora, sou brabo que nem ouriço, eu uso calça rasgada, tu não tem nada com isso’. Inclusive estou vendendo muito bem, é um CD chamado “Calça Rasgada”. São coisas assim, acontecimentos”.

Motivo do seu maior orgulho, as composições musicais de Adir não só são a sua fonte de renda, como também ajudam as pessoas que passam pelo local e escutam as canções.

“Uma vez uma senhora que estava sentada perto de mim escutou as minhas músicas, veio aqui e perguntou se eu tinha o CD. Ela disse que estava com depressão e a música ajudou ela. Veio aqui depois de um mês, me abraçou, me beijou e chorou. Fiquei feliz”.

“Encontrei a rua como espaço”

Não é apenas perto do Mercado Público que os artistas de rua Florianópolis se instalam. Quem passa pela frente da Catedral Metropolitana também pode ser agraciado com um som instrumental tocado pelo músico Yamandu Paz, de 57 anos.

‘Encontrei a rua como espaço’ – Foto: Júlia Venâncio/ND

“Desde os 15 anos eu toco violão, mas trabalho direto desde os anos 2.000. Toco sempre nas ruas, é um trabalho que não ganha muito, mas é um trabalho”, diz ele.

Apesar de não ter nascido em Florianópolis, Yamandu escolheu a capital de Santa Catarina como casa em 2011, quando se mudou do Rio Grande do Sul.

“As pessoas do centro de Floripa são muito receptivas, mas depois da pandemia tudo mudou. Antes tinha mais gente na rua e por consequência mais dinheiro. Agora diminuíram as pessoas e a grana também. Desde os anos 2000, a minha única fonte de renda é a música”.

Além das escadarias da Catedral, o músico também gosta de ficar perto da árvore da Figueira, na Praça 15 de Novembro, ou no calçadão das principais ruas Cento.

“Mas só toco no Centro. É que nos bares já tem a galera que toca. Todas as cidades são assim. Música de bar já tem dono, tem vários grupos de músicos que já estão há anos e o espaço que achei foi a rua. Venho de fora e encontrei a rua como um espaço”.

Rua também é espaço para o artesanato

Além da música, a arte do Centro de Florianópolis também está presente nas produções de artesanatos. Morador de Florianópolis há apenas cinco meses, Fernando Henrique de Jesus, de 29 anos, encontrou no Centro um espaço para vender as suas produções de colares, pulseiras e acessórios.

“Fui muito bem recebido aqui em Floripa, o jeito do pessoal aqui é legal. É meio difícil de primeira, mas são legais aqui”.

Artista

Fernando Henrique de Jesus, de 29 anos, encontrou no Centro da cidade um espaço para vender as produções artesanais. – Foto: Júlia Venâncio/ND

Produtor de artesanato há nove anos, Fernando conta que as vendas são difíceis mas “tem que sair”. É sentado em um banco na rua Conselheiro Mafra que o artesão produz as suas peças. “Mas produzo em casa também, aluguei um quartinho e quando chego  produzo mais um pouco. Estou sempre fazendo”.

Entre as peças produzidas o colar com o nome escrito no grão de arroz é a que faz mais sucesso. A arte, de origem japonesa, representa um símbolo de prosperidade de uma cultura centenária.

“Quando tinham as colheitas de arroz, eles escreviam o nome de todo mundo que tinha trabalhado e ajudado na produção e davam um para cada. Era para trazer prosperidade para os próximos cultivos e continua até hoje”.

Artistas manezinhos ganham o imaginário popular

Os artistas de rua do Centro de Florianópolis ajudam a marcar a história da cidade. Para a manezinha Simone Maria, de 50 anos, o “Homem da Cobra” é uma das figuras que marcaram o seu imaginário.

“Ele tinha uma cobra de mentira na mão e ficava falando, falando, falando… Por isso que aqui em Florianópolis tem essa expressão: ‘tu fala mais que o homem da cobra’, porque ele ficava o tempo todo falando. Me lembro também do Edson, era um artista de rua do Centro de Floripa, mas que morreu. Ele dançava ali no Mercado Público”.

São dançarinos, cantores ou artesão que encontram nas ruas do Centro de Florianópolis o seu espaço para o trabalho. Por paixão ou necessidade, é na arte que produzem que encontram as suas fontes de renda e encantam quem passa por lá.

“É gostar do que você faz. Acho que a música é vida e pra mim, que tenho 72 anos, fazer o que faço é uma benção. Cada vez que eu converso com uma pessoa e sai uma música, me sinto feliz. Sinto que só vou parar quando eu morrer, caso contrário, não paro”, finaliza Adir.

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