Região de SC com mais casos de feminicídios já iguala vítimas de 2022 em 3 meses

O Planalto Norte de Santa Catarina é a região que mais registra crimes com morte de mulheres em todo o Estado, com 15 vítimas. Nos três primeiros meses de 2023, cinco mulheres foram mortas por seus ex ou atuais companheiros na região, mesmo número registrado em todo o ano de 2022.

Planalto Norte de SC registrou cinco feminicídios em três meses – Foto: Carlos Jr/ND

Uma dessas vítimas é Lucimar de Góes Couto, morta com golpes de faca pelo ex-companheiro em 2 de janeiro, aos 44 anos. Lucimar era moradora de São Bento do Sul. “Pessoa querida, simpática, com sorriso no rosto”, descreve Thalyta Rodrigues de Almeida, amiga da vítima.

“Era uma pessoa alegre, amava conversar com todos. Ela encantava todo mundo por onde ela passava, tinha muitas amigas ela queria viver”, diz um parente de Lucimar, que não quis ser identificado.

Lucimar se separou do ex-companheiro após viver com ele um relacionamento abusivo. A amiga da catarinense conta que a mulher sempre demonstrava estar feliz, mas que, na verdade, escondia o que sentia.

As poucas vezes que Lucimar falava sobre o relacionamento com as amigas, os desabafos geravam preocupação. Segundo Thalyta, a vítima relatava que o ex-companheiro a agredia e que ela vivia um relacionamento abusivo.

Após a separação, o homem tentou impedir Lucimar de ver a filha. “Ela falava ‘tô com tanta saudade da minha filha, aquele homem não deixa nem chegar perto dela’”, lembra a amiga.

Inclusive, no dia do crime, ele teria fugido e levado a criança consigo. Durante a fuga, o acusado bateu o carro e deixou a filha do casal com uma família. Ele se entregou posteriormente à polícia.

Segundo a amiga de Lucimar, a mulher chegou a relatar que era agredida pelo companheiro. O delegado Gil Ribas, que investigou o caso, confirma que o acusado já tinha registros de violência e conta que, inclusive, já havia sido preso em flagrante por lesão. Em abril de 2022, a mulher também havia conseguido uma medida protetiva contra o suspeito.

Familiares e amigos sentiram revolta após a morte violenta contra Lucimar. “A gente via a felicidade pelo o que ela estava passando [após término]. Saber que a vida dela foi tirada pelo ex que não soube aceitar o término, que era bruto, abusivo. Fiquei muito triste”, comenta Thalyta.

Feminicídios por ano no Planalto Norte de SC
Infogram

Histórico de Violência

Assim como no caso de Lucimar, normalmente há um histórico de violência por parte do agressor. A delegada Patrícia Zimmermann, coordenadora estadual da DPCAMI (Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso), comenta que mesmo com o histórico, na maioria das vezes, vítima não chega a denunciar o homem.

“Esse é o nosso grande desafio. Para a mulher, até chegar a denunciar, envolve muitos fatores, emocional, familiar, ideia de que ela vai mudar o homem, acredita na recuperação dele. Até que ela venha denunciar, é um grande processo de agressão. Muitas não chegam a romper esse ciclo, infelizmente vemos essa situação acontecer”, diz.

Para a delegada, a medida protetiva, concedida normalmente após denúncias, pode evitar que os casos cheguem à morte da vítima. Isso porque o descumprimento de medidas protetivas podem gerar a prisão do agressor. Se houver descumprimento, há uma punição mais grave.

Patrícia compara os números de medidas protetivas expedidas e de feminicídios consumados. Em 2022, por exemplo, foram expedidas 19.032 medidas protetivas e registrados 56 feminicídios. Por propor uma punição mais grave em caso de descumprimento, o homem deixa de se aproximar da mulher. “A medida tem essa eficácia”, opina a delegada.

Além disso, Patrícia conta que, em alguns casos, após conceder a medida protetiva à mulher, o juiz ainda pode intimar o acusado a participar de grupos reflexivos.

Nestes grupos são realizados encontros e dinâmicas entre estes homens, delegados e psicólogos. São feitos diálogos para compreensão da violência, sobre masculinidade tóxica e a importância de uma nova maneira de atuar com as situações, sem precisar ser na base de agressividade.

“Homens hoje relatam que, invés da agressão, usam técnicas apreendidas no grupo e resolvem de outra maneira [discussões familiares]. Aprender a lidar com as emoções. Salvamos a vida dessa mulher e salvamos a vida dele”, conta.

Aumento no número de feminicídios no interior

Conforme a pesquisa feita por Jackeline Romio, doutora e mestre em Demografia Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), desde 2015 vem sendo registrada uma expansão da morte violenta contra em municípios fora da região metropolitana dos estados brasileiros.

“Isso tem a ver com o que o pesquisador Daniel Cerqueira [Atlas da violência 2019] nota como movimento de espraiamento e interiorização do crime e sequente crescimento da morte violenta ligado às novas rotas de criminalidade nas diversas cidades do interior dos estados. Estes novos cenários se juntam a uma política de flexibilização do porte e posse de arma (Decreto nº 9.685 de 15 de janeiro de 2019) que também ampliou a letalidade de todas as formas de violência, inclusive a doméstica”, aponta a pesquisa.

Armas utilizadas nos feminicídios em SC
Infogram

Dos cinco feminicídios registrados no Planalto Norte de Santa Catarina, três foram praticados com objetos cortantes e os outros dois, com arma de fogo.

Segundo dados do DataSus, entre 2015 a 2020, 233 mulheres foram mortas a tiros em Santa Catarina. Outras 258 por materiais cortantes ou pesados.

Para a delegada, a falta de trabalho multidisciplinares também colabora com a cultura de violência contra a mulher e registros de ocorrências nas cidades.

A delegada defende a necessidade de trabalhos que integrem a saúde, educação e segurança, fazendo com que situações de violência sejam evitadas.

“A questão da violência está enraizada na sociedade há séculos, enfrentamos em todos os lados. Sem a educação, não conseguimos enxergar o comportamento agressivo. Se uma mulher chega machucada na unidade de saúde, preciso me amparar. Na assistência social percebo que a situação de violência precisa ampliar”, explica.

Segundo ela, após estruturar e aplicar de forma organizada o trabalho multiciplinar, a cidade de Lages não registrou feminicídios em 2022. “E já figurou no ranking das cidades mais violentas”, afirma.

Por isso, a delegada defende o trabalho multidisciplinar e destaca a importância dos movimentos de mulheres, que também realizam essas ações de educação e amparo, fortalecendo outras mulheres.

A pesquisa de Jackeline Romio também destaca o acolhimento que deve ser oferecido às mulheres vítimas de violência. “Como sociedade devemos contribuir para que as mulheres sintam se acolhidas e encorajadas a denunciar e solicitar apoio, quanto antes a atenção é dada, menor o risco dessa violência se converter em um óbito”, cita.

Conforme o estudo, os agressores costumam usar como justificativa para o ciúmes, recusa em reatar um relacionamento ou manter relações sexuais.

“Motivos ligados à dominação masculina e a violência patriarcal, em que um homem converte a companheira, filha ou ex-parceira em um objeto de seu arbítrio o qual decide seu direito de vida de morte”, comenta. Por isso, a pesquisa reafirma a necessidade de combater a cultura machista, a objetificação da mulher e naturalização da violência de um gênero sobre o outro.

“Devemos fortalecer o compromisso comunitário, estar vigilantes e engajadas na luta pelo fim da violência contra a mulher, difundindo canais e informações sobre como localizar a atenção, também devemos barrar as correntes de fakenews e mensagens de ódio e misoginia nas redes sociais”, complementa a pesquisadora no trabalho.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.