Cidade abandonada: sem investimentos e manutenção, Hospital Santa Teresa ‘para no tempo’

Uma parte da história da saúde em Santa Catarina é contada pelo HST (Hospital Santa Teresa), construído em 1940, em São Pedro de Alcântara. Ele não tem corredores, mas ruas: há pequenas casas, uma igreja no centro, prefeitura, teatro, sua própria estação de tratamento de esgotos e até uma prisão.

Planejado para ser uma pequenina cidade, ele recebeu as internações vitalícias compulsórias de hanseníase, forma de tratamento padrão da doença até 1962. É um dos 40 estabelecimentos em todo o Brasil construídos no contexto de segregação de pacientes.

Hoje em dia, realiza atendimentos especializados em psiquiatria e clínica geral, mas a principal atuação é em doenças de pele, sendo a referência em dermatologia no Estado de Santa Catarina. O HST está entre os 6 hospitais da Grande Florianópolis em “estado crítico”, conforme o decreto de emergência na saúde publicado pela SES (Secretaria de Estado da Saúde) no dia 28 de março. A equipe do NDI (Núcleo de Dados e Investigação do Grupo ND) foi ao hospital para acessar e conhecer com exclusividade a sua situação atual.

Hospital Santa Teresa funciona com estrutura comprometida pelo tempo e falta de manutenção – Foto: Jonata Machado/Reprodução NDTV

Por lá são realizados mais de 100 atendimentos diários, 1.800 no mês.

Quem vê de fora, se depara com uma estrutura antiga e conservada. Mas os reparos, feitos no capricho, na verdade revelam a falta de investimentos na estrutura do Hospital Santa Teresa, um ‘ancião’ de 83 anos de idade que segue na ativa, tendo boa parte das instalações originais.

Ele figura na lista dos 6 hospitais em situação ‘crítica’ na Grande Florianópolis, alvo de decreto do governo do Estado em março deste ano. No relatório divulgado pela SES, foram elencados como pontos emergenciais os telhados e paredes, rede elétrica e o tratamento de efluentes.

Telhados correm risco de quedas em diversas casas - Jonata Machado/Reprodução NDTV
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Telhados correm risco de quedas em diversas casas – Jonata Machado/Reprodução NDTV

Paredes descascadas também retratam cenário de descaso - Jonata Machado/Reprodução NDTV
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Paredes descascadas também retratam cenário de descaso – Jonata Machado/Reprodução NDTV

Nas partes internas, paredes também mostram a falta de manutenção - Jonata Machado/Reprodução NDTV
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Nas partes internas, paredes também mostram a falta de manutenção – Jonata Machado/Reprodução NDTV

Casas espalhadas pelo Santa Teresa têm telhados caindo e desgaste nos pisos e paredes - Jonata Machado/Reprodução NDTV
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Casas espalhadas pelo Santa Teresa têm telhados caindo e desgaste nos pisos e paredes – Jonata Machado/Reprodução NDTV

Há casos de rachaduras nas paredes interiores das construções - Jonata Machado/Reprodução NDTV
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Há casos de rachaduras nas paredes interiores das construções – Jonata Machado/Reprodução NDTV

Sem investimentos nem manutenção, Hospital Santa Teresa vira uma cidade abandonada

A parte elétrica do Hospital Santa Teresa possui os mesmos quadros da data de sua inauguração, e a estação de tratamento de esgotos funcionou até perto de 2008 – projeto sofisticado para o contexto de 1940, mas que hoje está destruído.

Há telhados caindo, inclusive das casas que abrigam internações de longo prazo. Oito internos são moradores permanentes, as últimas pessoas a serem isoladas em razão da hanseníase que, mesmo curadas, não puderam voltar para suas famílias, por causa do preconceito da sociedade com relação à doença.

Partes fundamentais da estrutura são originais, como um museu vivo. No entanto, além de apresentar riscos para pacientes e funcionários, impede que a aparelhagem seja atualizada.

Se por um lado a equipe se esforça para fazer reparos atenciosos, por outro, a crônica falta de investimentos para renovação do seu sistema elétrico e pluvial o força a frear seus avanços. Uma estrutura que parou no tempo.

“Nosso tipo de necessidade é diferente dos outros. Porque aqui você tem que administrar uma cidade”, resume José Augusto da Silva Velho, diretor do HST.

O Hospital Santa Teresa conseguiu manter muito de sua estrutura preservada, mas o prolongamento da duração de alguns materiais passa a ser exagero 83 anos depois.

‘A caminho de se tornar centenário’: atualização do quadro elétrico é uma das urgências

Um dos pontos cruciais e que impedem o hospital de continuar se desenvolvendo é o sistema de distribuição elétrica: postes têm madeiras antigas e apodrecidas, e quadros de energia têm peças originais, até mesmo cabos de isolamento feitos em tecido envernizado.

O hospital funciona 24h, e recebe internações de emergência pelo ambulatório, mas também pacientes de outros hospitais.

A energia é racionada para que tudo continue funcionando, priorizando o setor de emergência.

As instalações de alta e média tensão apresentam deterioração e há risco de eventuais acidentes elétricos para pacientes e funcionários.

Quase centenário, quadro de energia do HST tem partes originais, desde a fundação do prédio - Jonata Machado/Reprodução NDTV
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Quase centenário, quadro de energia do HST tem partes originais, desde a fundação do prédio – Jonata Machado/Reprodução NDTV

Situação causa restrições de funcionamento e riscos aos profissionais e pacientes - Jonata Machado/Reprodução NDTV
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Situação causa restrições de funcionamento e riscos aos profissionais e pacientes – Jonata Machado/Reprodução NDTV

Além disso, há um mal que o HST enfrenta diariamente: as limitações de um sistema elétrico que, apesar de reparos aqui e ali, está a caminho de se tornar centenário.

“Parte da rede é de 1940. Essa é uma demanda que temos de ser atendidos de imediato. O que a gente faz para não ter muitos riscos: orientamos para não ligar o ar condicionado, principalmente quando tem internação, atendimento ambulatorial. Por enquanto tem dado certo. Entre todas as nossas prioridades, a rede elétrica é a primeira. Até porque tudo que a gente pretende, vai depender da estrutura elétrica. Não adianta correr atrás de outras coisas sem resolver isso”, diz José Augusto.

A defasagem do sistema afeta diretamente o serviço prestado, porque impede avanços tecnológicos significativos nas atividades de diagnóstico e tratamento das doenças.

Sem a energia necessária, não há suporte para equipamentos mais atuais, mais precisos e mais rápidos, que poderiam garantir melhores resultados nos tratamentos e até salvar vidas.

Estrutura sofre com falta de manutenção

Com mais de 30 casas espalhadas pelo ‘vilarejo’, aparecem também problemas graves em telhados, paredes e ruas por conta da falta de reformas.

“O pessoal vem, olha, diz que vai fazer isso e aquilo, mas não dá em nada. Em algumas casas que a gente já tinha começado a fazer, uns 15 anos atrás teve alguma reforma nessas casas, umas foram feitas e outras não foram. Isso é uma coisa que precisa de manutenção permanente”, relata Anselmo Stahelin, secretário do hospital, que reclama da “morosidade” do processo burocrático para agilizar reformas.

Ele explica que não há uma empresa realizando as manutenções no hospital, e todas as demandas são feitas via administração interna ou solicitações à pasta de Saúde. Não existe um trabalho contínuo de desenvolvimento.

“Tem só a manutenção do hospital, que é como se diz, a gente apaga fogo. É uma coisa complicada, porque é política de governo e não de Estado. Entra governo, sai governo e muda tudo”.

Um dos espaços que precisa de uma grande reformulação é o Centro de Convivência.

O local, que oferecia diversas atividades recreativas para os pacientes, foi interditado depois de graves danos provocados por um temporal. Hoje, é perigoso entrar na estrutura, que tem pedaços de madeira caindo do teto.

Esgoto a céu aberto e enchentes: ‘pequena cidade’ tem saneamento precário

Isolado dentro do município de São Pedro de Alcântara, o ‘vilarejo’ do Hospital Santa Teresa também passa por problemas que são comuns na maior parte das cidades de Santa Catarina: o saneamento básico.

As partes de drenagem e rede de esgoto já atingiram níveis que levam sérios riscos aos pacientes que vivem por lá e também para toda uma população ao redor.

O hospital é cercado pelo rio Imaruí, que deságua no litoral palhocense. A estrutura foi construída, há 83 anos, com uma rede de esgoto própria, um sistema evoluído para a época.

Hospital Santa Teresa tem esgoto exposto a céu aberto; rede de tratamento parou de funcionar há 15 anos – Foto: Jonata Machado/Reprodução NDTV

No entanto, nunca foi atualizado. A estação saturou em 2008, e desde então o hospital funciona sem o tratamento. Em visita ao Santa Teresa, a equipe do ND testemunhou esgoto a céu aberto, na área próxima às clínicas e ao rio.

“Isso aí é parte da obstrução da rede pluvial e da rede de esgoto. Chegou uma hora que as duas se misturaram e virou uma coisa só”, revela Anselmo Stahelin.

Ele ressalta que o projeto que será enviado às fornecedoras de serviço contempla um sistema inteiro de esgoto novo.

“Há 83 anos atrás alguém pensou no tratamento de esgoto. Até 15 anos atrás o sistema aqui era tratado. Agora não é. Não tem tratamento”.

A falta de coleta e tratamento de esgoto é um problema grave de muitas cidades do Estado, que também se reflete na ‘pequena vila’ do Santa Teresa.

“É aquele óbvio: esgoto doméstico, coliformes fecais, doenças de veiculação hídrica… todo aquele ciclo vicioso de contaminação que a nossa missão é prevenir e afastar. O material infeccioso do hospital costuma ter uma coleta própria antes de ser lançado na rede, então é uma situação parecida com o esgoto doméstico mesmo, nem ‘pior’ nem ‘melhor’. Esgoto é ruim em qualquer situação que estiver exposto e em contato com a população”, explica o engenheiro sanitarista Vinicius Ragghianti.

Além da rede de esgoto, a drenagem também é um grande problema. Há histórico de enchentes e deslizamentos na pequena vila.

O local ainda apresenta marcas da última, em março de 2023, que provocou erosão de algumas partes de terreno alto e das margens.

A água que naturalmente desce dos morros, empoça. O sistema para captação de águas das ruas é improvisado, e mesmo os bueiros existentes perderam suas grades de segurança e poder de vazão.

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