Conheça a história da Catedral Metropolitana de Florianópolis pelo olhar de uma arquiteta

Bem no coração do Centro de Florianópolis, uma construção imponente chama atenção de quem passa pelos arredores da Praça 15 de Novembro. A Catedral Metropolitana de Florianópolis é uma das edificações mais antigas da cidade. Com uma importância imensurável, o prédio histórico é testemunha do desenvolvimento de Florianópolis, que ao longo dos seus 350 anos abraça tanta gente.

Catedral Metropolitana de Florianópolis em 1922, antes da primeira reforma – Foto: Edson Luiz da Silva/Reprodução/ND

Ali, e em meio aos arredores da igreja, o povoado de Nossa Senhora do Desterro foi fundado pelo bandeirante Francisco Dias Velho. “Foi este aventureiro quem construiu uma pequena capela logo que chegou para ocupar a ilha. Assim surgiu o templo que no decorrer da história se tornou a Catedral”, explica a arquiteta e urbanista Suzane Albers Araújo. A profissional, atualmente aposentada, integrou o setor de patrimônio histórico do Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis) entre 1984 e 2017.

Dias Velho vem à ilha com sua esposa, filhos, dois padres e um grupo de indígenas. “Ele funda a póvoa em 1673 e em 1678 ergue a pequena ermida, dedicada à Nossa Senhora do Desterro no alto de uma colina de frente para o mar, na qual já existia um cruzeiro de pedra, erguido 27 anos antes por Antônio Leitão, um bandeirante que passou pela ilha, mas não teve sucesso em sua empreitada”, conta a arquiteta.

Suzane Araújo parafraseia o historiador Carlos Humberto Correa ao descrever a capela. “Era bem pequena, muito rústica, feita de pedras e barro”. Podemos então afirmar que ali se inicia outra vocação de Florianópolis, a de construir uma cidade de frente pro mar.

Suzane Albers Araújo, arquiteta e urbanista aposentada do Ipuf – Foto: Leo Munhoz/Arquivo/ND

É no entorno desta igreja que a pequena póvoa começa a se desenvolver. “O local tinha algumas casas de palha, algo muito simples. Um fato curioso é que a ermida erguida por Dias Velho também foi palco de sangue, inclusive o dele. Foi dentro da capela que o bandeirante se refugiou e foi morto por piratas que invadiram Nossa Senhora do Desterro, em 1687”, detalha Suzane.

Com a morte de Dias Velho, a população de Nossa Senhora do Desterro diminui. “O navegador francês Amédée François Frézier, ao chegar na ilha em 1712, encontrou apenas 147 brancos, além de alguns indígenas e negros livres”, descreve a arquiteta. “Neste tempo não houve transformação na estrutura da capelinha”, completa.

Primeiras modificações na capelinha que se tornou Catedral

As primeiras modificações surgem no século 17 e 18 quando a ilha deixa de ser um local apenas de passagem dos barcos exploradores para se tornar uma vila.

“Em 1738, com a criação da Capitania da Ilha de Santa Catarina, o povoado começa a crescer, boa parte pelas ações do brigadeiro José da Silva Paes e do grande desenvolvimento da Vila de Desterro, que trouxeram novos imigrantes, como os açorianos. A ermida não dava mais conta de atender a população em expansão. Foi preciso ampliá-la”, detalha Suzane.

A substituição da capela com características portuguesas começou em 1753 e seguiu até 1773, conforme a arquiteta e urbanista. Você deve estar imaginando: mais de 20 anos não é muito tempo? Pois é, assim como hoje, a burocracia do sistema e outras prioridades fizeram com que a obra se arrastasse por mais de duas décadas.

Um dos primeiros registros da igreja que se tornou a Catedral Metropolitana de Florianópolis – Foto: Catedral Florianópolis/Divulgação/ND

Historiadores colocam algumas teses para esta demora. A principal seria devido à falta de recursos. “Outro fator seria o de que Portugal já suspeitava que a Espanha estivesse de olho nestas terras, planejando uma invasão[, o que de fato veio ocorrer anos depois]. Por isso, o governador da época realocou os recursos da obra para aumentar a estrutura da Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim”, pontua a arquiteta e urbanista.

Ela acrescenta mais uma hipótese para a falta de celeridade na obra. “Pesquisadores dizem também que o governador da época não tinha muito interesse em terminar rápido a construção, isso porque o projeto original da nova igreja era de seu antecessor”. Quando finalmente foi inaugurada, o templo se tornou uma referência arquitetônica e ficou parecido com a Catedral Metropolitana de Florianópolis de hoje.

“A igreja era o símbolo da maior conquista territorial feita à serviço de Deus e do rei de Portugal, segundo o livro do historiador Carlos Humberto. Partes desta construção se fundem com a atual Igreja Matriz da Capital”, detalha Suzane.

Conforme a arquiteta, esta configuração da igreja permaneceu até o final do século 19, com pequenas adaptações no frontal e nas escadarias que substituíram os jardins.

Ossos nos arredores da Catedral Metropolitana

Quem passa todos os dias em volta da Catedral Metropolitana de Florianópolis nem imagina, mas pode estar pisando em cima de um grande cemitério. Isso porque antigamente era comum enterrar as pessoas com maior status político e social dentro das igrejas, enquanto os mortos da comunidade eram sepultados nos fundos ou laterais das paróquias.

Suzane lembra que na Florianópolis de antigamente não era diferente: “Por anos foi assim, até que em 1840 inaugura o cemitério onde está o Parque da Luz, na cabeceira Ponte Hercílio Luz. Ficou deliberado que as famílias dos enterrados no entorno e dentro da Igreja Matriz deveriam retirar os restos mortais e levá-los para o novo cemitério.”

“Mas isso não foi executado de maneira 100% porque somente famílias com recursos podiam fazer a exumação. Se hoje escavarmos o entorno da Catedral Metropolitana, provavelmente vamos encontrar ossos”, acrescenta.

Catedral Metropolitana: mais modificações e reformas a partir de 1922

O tempo passa e Florianópolis segue sua vocação de acolher e abraçar as pessoas. A população aumenta e, em 1922, a Catedral Metropolitana passa por mais uma ampliação importante.

O projeto, de acordo com a arquiteta Suzane, foi idealizado pelo pároco monsenhor Francisco Xavier Topp e pelo arcebispo Dom Joaquim Domingues de Oliveira. A reforma era audaciosa e além de dar mais espaços aos fiéis, traria ostentação e valorização da Matriz que somente em 1903 foi elevada à condição de Catedral.

“O responsável pela planta e execução da obra foi o arquiteto Theodor Grundel. Uma das principais mudanças foi a inserção de um transepto no interior da nave da igreja. [Nave é o local em que o padre comanda a celebração.] A Capela-mor foi preservada, mas as paredes externas foram parcialmente demolidas para a ampliação”, registra Suzane.

Foi nesta reforma que as duas torres da Catedral Metropolitana ganharam mais altura e foram introduzidas as cúpulas vazadas. “Para dar sustentação entre as duas torres foi construído um pontilhão, removida a cruz que tinha no frontão triangular e introduzidos alpendres externos. As janelas que eram retangulares também passaram a ser de arco pleno”, acrescenta a especialista.

A atual estrutura interna e externa da Catedral Metropolitana de Florianópolis preserva marcas da arquitetura portuguesa – Foto: Catedral Florianópolis/Divulgação/ND

Em 1922, foi colocado um carrilhão com cinco sinos vindos da Alemanha no pontilhão. Eles pesavam 5.338 quilos, sendo o maior conjunto de sinos da América do Sul. Até hoje os sinos estão na Catedral Metropolitana, e se juntam a outros dois doados por Dom Pedro II.

“Tiveram outras modificações, como a diminuição das capelas, a extinção do Império do Divino, e alterações nas escadarias e átrio, e no piso”, destaca a especialista.

“Em 1932 foi feito um segundo andar sobre a sacristia. Em 1934, a igreja ganhou uma rampa de acesso na rua Arcipreste Paiva. Vidros amarelos foram implementado nas 14 janelas da igreja. Em 1948, eles foram substituídos por vitrais artísticos confeccionado na Casa Conrado, em São Paulo”, conta Suzane.

Os vitrais artísticos que estão na Catedral Metropolitana foram implementados em 1948 – Foto: Ticho B Fernandes/Catedral Metropolitana/Divulgação/ND

A arquiteta e urbanista cita outras datas importantes de modificações. “Em 1938, foram realizadas internamente pinturas decorativas. Anos mais tarde, em 1974, essas pinturas foram encobertas quando a igreja foi pintada de forma monocromática. Um grande restauro em 2005 recuperou parte desta pintura”, destaca.

As últimas reformas grandes antes da restauração de 2005, ocorreram em 1972 e 1974 com pintura externa, obras de recuperação do telhado e no piso.

A arquiteta finaliza a entrevista ao ND+ destacando a importância da igreja para a sociedade da Grande Florianópolis:

“A Catedral Metropolitana de Florianópolis é o monumento que testemunha a história da cidade, desde a povoa, passando pela evolução e crescimento da Capital. Desde Nossa Senhora do Desterro, até a Florianópolis moderna de hoje, ela continua sendo palco da vida cotidiana. Todos passam por aqui, seja na rotina do dia-a-dia ou em manifestações políticas, históricas e culturais”, finaliza.

Catedral Metropolitana de Florianópolis na literatura

Ficou com vontade de saber mais a respeito da história de Florianópolis e da Catedral Metropolitana? Suzane recomenda algumas leituras. Confira!

  • O primeiro livro que ela cita é o “Nossa Senhora do Desterro”, de Oswaldo Rodrigues Cabral, volume 2, de 1979. A obra traz um capítulo inteiro sobre a importância da Catedral Metropolitana.
  • Um livro mais atual é o “História de Florianópolis Ilustrada”, assinado por Carlos Humberto Correia, de 2004. O material reúne muitas fotos antigas da cidade e da Catedral Metropolitana e mostra um pouco do desenvolvimento de Florianópolis.
  • Outra opção é “A Presença Portuguesa na Arquitetura de Santa Catarina”, século 18 e 19”, de Sara Regina Silveira de Souza, de 1981, que trata mais dos aspectos arquitetônicos.
  • “Florianópolis Memoria Urbana”, de Elaine Veras da Veiga, 1993, é outra obra que fala da modernização da cidade.
  • Por fim, Suzane indica a “A igreja de Santa Catarina: Notas Para Sua História”, de Walter Piazza.

Floripa 350

O projeto Floripa 350 é uma iniciativa do Grupo ND em comemoração ao aniversário de 350 anos de Florianópolis. Ao longo de dez meses, reportagens especiais sobre a cultura, o desenvolvimento e personalidades da cidade serão publicadas e exibidas no jornal ND, no portal ND+ e na NDTV RecordTV.

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