PEC abre brechas para a venda de sangue humano; entenda a proposta

Uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), que abre brechas para a venda de sangue humano, deve ser discutida pelos senadores nas próximas semanas. O texto vai ser debatido em audiência pública na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), antes de ser votado no colegiado. As informações são do R7.

Congresso vai discutir PEC da ‘venda de sangue’. – Foto: Unsplahs/Divulgação/ND

Segundo a PEC 10/2022, ficam estabelecidas as “condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados”.

Liberação da venda de plasma

Além da monetização da doação de sangue no Brasil, o texto propõe a liberação da venda do plasma excedente das doações à indústria farmacêutica.

Se aprovada, a proposta vai reduzir os poderes da Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia), criada em 2004, e a única gestora do plasma excedente do uso em transfusões no Brasil.

Atualmente, a empresa mantém estoque do insumo para a fabricação de medicamentos hemoderivados.

Com esse plasma, a Hemobrás consegue fabricar produtos como: albumina, imunoglobulina e os fatores VIII e IX da coagulação.

Os suplementos são usados por pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde) para o tratamento de hemofilias, doenças autoimunes, pessoas com Aids e outras deficiências imunológicas ou infecciosas.

“Quando você diz que essa atividade [de manipulação do sangue humano e derivados] pode ser explorada pela indústria, e isso seria regulamentado depois, é preocupante. Os legisladores contrários levantam que, de fato, se a gente está trabalhando com a discussão da venda de plasma, depois podemos avançar para discussões sobre transplantes”, explica Antônio Edson Lucena, presidente da Hemobrás.

Desperdício de 2,7 milhões de doações de sangue

Em 2020, um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) questionou o Ministério da Saúde sobre o problema causado pelo desperdício de bolsas de plasma no Brasil.

Segundo auditoria do órgão, entre 2017 e 2020, foram perdidos 597.975 litros de plasma, o que equivale ao material coletado em 2,7 milhões de doações de sangue. O relatório foi usado como justificativa para a aprovação da PEC no Senado.

O presidente da estatal, no entanto, rebateu os dados e disse que o relatório está ultrapassado. “Hoje, o Brasil tem 3,5 milhões de bolsas de sangue ao ano. Isso nos dá 700 mil litros de plasma. Fracionando todo o plasma brasileiro, teria como suprir todo o mercado nacional. Mas por que falta plasma? Porque a estrutura é fundamental. O que está na mesa é que o sistema não tem financiamento há muitos anos”, explicou.

“Os hemocentros trabalham com a doação altruísta e, se algumas empresas passassem a coletar o plasma, poderia haver uma perda na qualidade e também acontecer o que existe hoje nos Estados Unidos, onde a doação é remunerada e há pessoas que chegam a doar três vezes por semana, no que eles mesmos discutem e chamam de extrativismo humano. Nossa preocupação é que o Brasil se transforme nisso, em apenas um local de captação do plasma”, completou.

Interlocutores do governo se preparam para barrar a proposta no Congresso. Ao R7, o Ministério da Saúde diz que acompanha o tema e defendeu a Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados.

“Ao todo, são 27 hemocentros regionais, conhecidos como bancos de sangue públicos, com absoluto controle de qualidade e que prestam serviço de forma integral e gratuita à população”, informou.

Senadores divergem sobre o tema

Relatora do projeto, a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), chegou a ser favorável à matéria. No entanto, encontrou oposição de outros senadores.

“Esse tema não é simples. O plasma é um derivado do sangue, não é uma coisa caída do céu. Termos comercialização de plasma é termos comercialização de sangue”, afirmou o senador Humberto Costa (PT-CE).

O senador Omar Aziz (PSD-AM) antecipou o voto e disse que será contra a PEC. “Sabemos que já tem tráfico de órgãos no Brasil. Depois que for vender sangue, como vamos controlar isso? Aqui, se sequestra para tirar os órgãos das pessoas, tirar sangue é muito mais fácil. Essa é uma discussão que não tem de partir de pessoas leigas”, afirmou.

Para o senador Ciro Nogueira (PP-PI), o tema é “muito importante para a saúde do nosso país”. “Temos que dar total prioridade para a realização da audiência pública e, logo depois, para a votação da matéria”, afirmou.

O senador Sergio Moro (União-PR) também defendeu agilidade na análise do texto e disse ser a favor da aprovação da PEC.

“Há uma deficiência notória no Brasil em relação a esse mercado de derivados. Pessoas infelizmente morrem por conta disso. Temos uma estatal ineficiente, a Hemobrás, e precisamos flexibilizar. Ninguém quer prejudicar o que já existe. Mas, se as pessoas estão precisando desses produtos e derivados, há uma questão de urgência.”

A audiência pública sobre o tema na CCJ, com cinco convidados favoráveis e cinco contrários à PEC , ainda não foi marcada. Os senadores estão em fase de definir quem serão os nomes dos participantes.

 

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