Conheça a história por trás das bonecas inclusivas de Florianópolis

A artesã mineira Daniela de Fátima Oliveira Silva, 47 anos, moradora de Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis, começou a fazer bonecas bambinas normais em 2019 para ocupar a cabeça, devido à doença do pai, que mora em Minas Gerais.

Com a distância entre os estados, ela, que trabalhava como manicure, resolveu fazer bonecas com a ajuda do Youtube para ter referências e conseguir aprender o trabalho.

A artesã Daniela Silva e as bonecas da inclusão – Foto: Bruno Benetti/ND

A artesã também constrói chaveiros, pesos de porta e outros tipos de bonecas, acompanhadas de kits que permitem às crianças brincar e trocar de roupa com todas as cores de pele e cabelo, como a Emília e o Visconde, personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Bonecas inclusivas

A ideia das bonecas inclusivas surgiu há dois anos e meio, por causa de seu sobrinho chamado Luís Gustavo, que hoje tem 30 anos. Ele nasceu com deficiência auditiva, porque a mãe contraiu rubéola durante a gestação, e tem apenas 20% de audição.

Daniela conta que certa vez fez um peso de porta para ele brincar e ouviu a reclamação que faltava o aparelho de necessidade especial, pois sem isso, não seria ele. Esse foi o incentivo para ela fazer as bonecas adaptadas.

A artesã pensou em ideias de deficiência que poderia adaptar e procurou informações sobre algumas doenças. Segundo ela, o objetivo do trabalho foi ajudar as crianças. “As pessoas se sentem representadas pelas bonecas”. “Fico feliz em poder de uma certa forma passar algo sobre a necessidade especial”.

Pesos de porta e chaveiros feitos para a venda na Feira das Alfaias – Foto: Bruno Benetti/ND

Segundo a artesã, a ideia parte de crianças e de clientes. “As pessoas pedem porque como veem as inclusivas, na hora elas têm ideias para tentar ajudar a criança”.

Aceitação do trabalho

A artesã ficou surpresa com a aceitação de seu trabalho pelas crianças que não têm necessidades especiais. “O legal é que a aceitação de crianças que não têm necessidade especial pelas bonecas é incrível. Isto é muito importante. Tenho visto que meu trabalho na feira tem educado os pais a respeito da inclusão com os filhos”, pontua.

Daniela Silva leva um dia e meio para produzir um boneco. São geralmente 16 bonecos, que ela expõe e vende somente na Feira das Alfaias, em Santo Antônio de Lisboa, das 10h até as 19h todos os sábados e domingos.

Bonecas de vitiligo

A artesã contou que o marido Ademi da Silva, que também ajuda na confecção de detalhes dos bonecos, tem algumas manchas de vitiligo e que pensou em desenvolver o boneco com essa doença. “Eu criei mais pensando nele. Faz pouco que ele teve o diagnóstico”.

Boneca com vitiligo – Foto: Daniela Silva/Divulgação/ND

Segundo ela, as primeiras manchas apareceram há 20 anos, mas foram estabilizadas. Porém, de um ano para cá, a doença está aumentando.

Daniela faz bonecos com alguns tipos de deficiência como:

  • Cadeirante
  • Amputada com muletas
  • Autismo
  • Albina
  • Vitiligo
  • Aparelho auditivo com boné
  • Síndrome de Down
  • Deficiência visual com cão guia

Vendas e artesanato

De acordo com a artesã, a venda na feira das Alfaias varia bastante, conforme a presença de público.

“Às vezes, não vende. Tem dias normais com pouca gente circulando, mas com uma venda grande. A gente depende bastante do público”, pontua.

Os preços variam de R$ 100 a R$ 140, dependendo do modelo.

Produção de bonecas inclusivas no ateliê de Daniela Silva – Foto: Bruno Benetti/ND

Daniela reclama da pouca valorização do artesanato: “Independente do que esteja vendendo, o pessoal não valoriza o artesanato; as pessoas não querem pagar o que o artesanato realmente vale”.

Pedidos

A artesã conta que recebe alguns pedidos de bonecas via internet de pessoas que conheceram seu trabalho na feira.

“Teve um homem de Recife que comprou uma boneca com síndrome de Down para levar para a irmã, e a prima dele, grávida, entrou em contato com ela, pois queria que a bebê nascesse já na inclusão”.

A pandemia e a vontade de desistir

Daniela Silva revela que já teve momentos em que pensou em desistir do trabalho. “Ia para a feira e deixava o esposo sozinho e comecei a ficar mais cansada”.

Mas com a repercussão das bonecas inclusivas, ela decidiu que se estava fazendo bem para as pessoas, não poderia parar de produzir.

A artesã conta que teve bastante dificuldade para investir no começo, pois o material não é barato. “Para fazer as bonecas, gasto R$ 600 só para elas”.

Com a pandemia, o trabalho artesanal cresceu muito, mas houve um período em que ela teve de parar a produção das bonecas por não ter condições de investir.

Após um ano de pandemia, quando vieram as vacinas, liberaram espaço na frente da Casa da Cultura, em Santo Antônio de Lisboa, para colocar as barracas. Entre os 30 feirantes, cinco, incluindo ela, foram ao local com barracas e  máscaras. Ela conta que tem de pagar R$ 40 (R$ 20 no sábado e R$ 20 domingo) por fim de semana pelo espaço na Feira das Alfaias.

“Veio a vontade desistir. Estou parada dentro de casa, sem ter como investir e aproveitar para fazer uma grande produção”. Como já tinha passado pelo episódio da menina com vitiligo, que pediu uma boneca por também ter a doença, ela pensou: “não vou parar, pois acreditava que tinha um propósito”.

Quando houve a liberação para trabalhar, o pessoal foi reconhecendo e comprando. “Todo o final de semana, vendia a de vitiligo e do cadeirante também. São demoradas para fazer”. “Eu vendo e reponho o que vendi”.

Processo para fazer as bonecas

Daniela Silva conta que leva em torno de um dia e meio, em oito horas de trabalho, para deixar uma boneca pronta para a venda.

Segundo ela, o cadeirante leva dois dias, pois tem a parte para o boneco e a outra parte para a cadeira, e a de vitiligo precisa fazer o processo das manchas na boneca, com água sanitária. Assim, é preciso que a boneca esteja completamente montada e com o rosto feito para saber onde vão as manchas.


Vídeo de montagem das bonecas da inclusão – Vídeo: Reprodução/Bruno Benetti/ND

Dificuldades e preconceito

A artesã falou também sobre as dificuldades que teve com o sobrinho quando era pequeno. Ela veio a Florianópolis há 30 anos para ajudar a cuidar do menino a pedido da irmã. Segundo ela, hoje ele trabalha, dirige e tem uma vida independente.

Por ter acompanhado toda a situação, ela pontua que “aqui ainda falta muita coisa para ajudar uma pessoa que tenha dificuldade”. No trabalho dele, a mãe tem de comparecer a reuniões para entender certas situações, já que não há intérprete para ele.

“Vejo a dificuldade dele. Só quer usar boné. Os bonecos de deficiência auditiva, faço com boné, porque até hoje não vi ninguém usando aparelho auditivo que não use boné. Eles querem tampar o aparelho e têm uma resistência”.

Episódios

A artesã contou alguns episódios ocorridos na Feira das Alfaias. Uma menina, de 11 anos, que visitou a feira com a mãe, viu o produto que sempre fica no meio, onde sempre chama atenção.

Daniela percebeu que a criança, que estava vestida com roupa de mangas longas, passava a mão no cabelo, nas roupinhas e perguntou se havia outra daquele modelo. Como não tinha, ela pediu para aguardar um instante e foi chamar a mãe. Quando recebeu a boneca de presente, a menina ficou agarrada à boneca e saiu feliz mostrando para todos ao redor.

A menina disse que se sentiu representada pela boneca e que nunca mais sairia de perto dela e que a boneca era igual a ela, pois ela também tinha vitiligo. Segundo a madrinha, a menina havia descoberto a doença há cinco meses e não dava um sorriso desde então e não queria ficar daquela forma.

“Quando viu que tinha uma boneca daquela forma, aquilo para ela foi uma libertação”. A artesã se emocionou com o episódio e ficou feliz de saber que está podendo ajudar alguém: “Eu vi um propósito para aquilo, não tem preço”.

Em outro episódio, um menino estava na feira mostrou o boneco para a família, mas não lhe deram atenção.

O menino olhou e disse “por isso é tão difícil a gente incluir as pessoas que têm deficiência na sociedade. Estou mostrando algo interessante e vocês não estão me dando atenção”. O pai ficou muito envergonhado com a situação e pediu desculpas.

A artista disse se sentir feliz pelo reconhecimento do alcance do importante trabalho com as bonecas inclusivas e espera que seu trabalho chegue até as escolas para possibilitar uma sociedade mais inclusiva a cada dia.

“Tenho vontade que meu trabalho chegue nas escolas, porque a criança convivendo e sabendo que pode ter um brinquedo representando uma criança, vai crescer com uma ideia diferente”.

“Tenho o sonho que a criança possa chegar em qualquer loja e se sentir representada em qualquer lugar que ela for”, finaliza.

Depoimento do repórter

Entrevistei a artesã Daniela Silva no dia 31 de março, quando fui recebido na residência dela, em Santo Antônio de Lisboa.

Boneco feito pela artesã Daniela Silva – Foto: Bruno Benetti/ND

Após conversarmos sobre situações da vida que passamos, fomos ao ateliê, onde Daniela faz as bonecas da inclusão.

Ao chegar ao local, para a minha surpresa havia a produção para a venda no fim de semana e junto a ela, um boneco usando muletas,  com crachá do ND e meu nome.

Fiquei totalmente sem palavras e emocionado com a surpresa, pois nunca tinha recebido tamanha homenagem. Foi um gesto simples e inesperado, que teve uma imensa carga de emoção por me representar na sociedade. Hoje ele está em uma prateleira especial e cada vez que vejo o boneco, consigo me enxergar nele e ver as dificuldades que supero a cada dia.

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