‘Demanda maior que na pandemia’, diz secretário de Saúde de Joinville ao deixar cargo

O secretário de saúde de Joinville, Andrei Kolaceke, deixa oficialmente o comando da pasta neste domingo (23). Após quase um ano no cargo, Kolaceke faz um balanço do período em que esteve à frente de uma das áreas mais sensíveis da administração pública no município do Norte de Santa Catarina.

Andrei Kolaceke deixa Secretaria de Saúde após 11 meses – Foto: Prefeitura de Joinville/Divulgação/ND

Servidor público concursado, Andrei assumiu a Saúde no final de maio de 2022, após a saída do então secretário, Jean Rodrigues. Para Kolaceke, a pasta é a mais desafiadora, especialmente no momento em que vive uma crise pior do que a da pandemia. “Acredito que é a pasta mais difícil do município, sem dúvida nenhuma, por toda a situação, todo o contexto e todo este perfil de demanda”, afirmou em entrevista ao ND+.

Andrei Kolaceke deixa o comando da pasta em um contexto de muitas críticas e cobranças ao sistema público de saúde do município. Nas últimas semanas, a população tem enfrentado longas filas nos prontos atendimentos, ausência de profissionais e até mesmo falta de medicamentos.

De acordo com o secretário, a sobrecarga no sistema é fruto de uma demanda represada durante a pandemia de Covid-19, que agora retorna às unidades com quadros agravados.

“A gente precisa pensar a Saúde nos dias de hoje a partir da pandemia, do que ela causou. Nós tivemos uma mudança completa na forma de funcionamento das unidades. Unidades básicas de saúde que, até então, faziam acompanhamento de pacientes crônicos e gestantes, mudaram seu perfil de atendimento para funcionar como pequenos prontos atendimentos”, explica.

Imagem mostra fila na UPA Sul, onde espera por atendimento chegou a 11 horas – Foto: Ricardo Alves/NDTV

“Isso tudo desorganizou o processo assistencial e, hoje, a gente paga o preço disso. Não apenas Joinville, é um fenômeno mundial. A gente tem pacientes que deixaram de ser acompanhados nesse período, deixaram de realizar procedimentos, cirurgias, e que agora procuram os serviços de saúde com essas condições já agravadas, então tem uma demanda gigantesca”, completa.

Recursos são insuficientes, avalia o secretário

Mas não é apenas a demanda represada que tem desafiado a gestão da saúde no município, ao menos na avaliação de Kolaceke. Há, também, um problema de financiamento do sistema.

“O contexto de Joinville é ainda mais desafiador, porque a gente tem um modelo de saúde em que o município custeia a média e alta complexidade. A gente tem um hospital de alta complexidade que é 100% público, bancado pelo município de Joinville”, explica.

“Em outros municípios, como Florianópolis, a alta complexidade é 100% custeada e administrada pelo Estado, praticamente”

Neste cenário, segundo o secretário, Joinville não tem condições de realizar grandes avanços na área. “A gente precisa dividir esse recurso. Uma parte bastante expressiva vai para o Hospital Municipal São José e outra parte precisa custear os demais serviços, e esse recurso acaba faltando muitas vezes. Mesmo aplicando 40% de tudo que arrecada em Saúde, o município não tem condições de avançar mais em determinados aspectos”.

Para Andrei, não falta apenas dinheiro. O “recurso humano” também é um déficit enfrentado pela Saúde de Joinville. “A gente sofre, principalmente, com a falta de servidores, porque o município, sozinho, não tem recursos suficientes para contratar equipes maiores”, argumenta.

Novamente, os reflexos da pandemia parecem continuar causando danos, agora, com relação ao financiamento do sistema. “Isso [a falta de verba] foi agravado pelo corte nos recursos federais que eram destinados ao combate à pandemia”.

Dados do Ministério da Saúde mostram que o órgão chegou a repassar mais de R$ 300 milhões para o município de Joinville em 2020. No ano passado, o repasse havia caído para R$ 224 milhões, um corte de 25% no valor destinado. “E a demanda não diminuiu, só aumentou daquele tempo para este”, alerta Kolaceke.

“Os recursos são menores, as necessidades de saúde da população são maiores e os municípios não têm condições de avançar”

“Em situações regulares, a gente consegue equalizar essa demanda. Mas em momentos de crise, como o que a gente vive hoje, fica extremamente difícil – tendo uma epidemia para enfrentar – fazer esse enfrentamento sem um apoio financeiro por parte da União e do governo do Estado”, lamenta o secretário.

Atual crise na Saúde de Joinville é pior que na pandemia

Por falar em crise na Saúde, a situação enfrentada por Joinville nas últimas semanas é pior que nos dias mais difíceis da pandemia, segundo Andrei. “A demanda hoje é maior que no pior momento da pandemia. Ao longo destas últimas semanas, chegamos a ultrapassar três mil atendimentos por dia nas nossas unidades de pronto atendimento e na nossa Central de Atendimento da dengue. Esse número não foi alcançado em nenhum momento da pandemia”, conta.

O secretário aponta dois fatores principais para a sobrecarga do sistema de saúde do município: síndromes gripais variadas, que representam a maior parcela dos pacientes, e a dengue, que avança em todo o Estado de Santa Catarina.

“No auge do número de pessoas infectadas com a Covid, a gente chegou a ter 2 mil, 2,5 mil pessoas procurando nossas unidades. Agora, a gente trabalha com 3 mil, 3,2 mil, e com menos recursos. É uma situação muito desafiadora que a saúde de Joinville vive e nossos servidores têm dado o máximo para atender, com a melhor qualidade possível, a demanda de procura às unidades”, completa.

Se falta recursos, a União precisa ampliar o financiamento do sistema de saúde, na visão do gestor. O que tem ocorrido, porém, é o exato oposto, segundo ele.

“A gente tem ao longo da história, desde a criação do SUS, uma redução, a cada ano que passa, da porcentagem do custo que a União absorve. A cada ano, a União colabora proporcionalmente menos para manter o SUS, os Estados mantém sua participação e os municípios, consequentemente, precisam avançar e cobrir essa despesa”, aponta.

Comissão acompanhará Saúde

Após movimentações pela instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara de Vereadores de Joinville, os parlamentares decidiram criar uma Comissão Especial que irá acompanhar os trabalhos da saúde do município.

Para o atual secretário, a iniciativa é positiva e pode contribuir para uma melhora do quadro. “O SUS é um produto de um diálogo institucional. A gente precisa trazer os três poderes para a discussão”, defende.

“Quanto mais auxílio, quanto mais os órgãos de poder estiverem empoderados das informações a respeito da Saúde, apropriados de toda esta realidade, melhor para o futuro do SUS”, completa Kolaceke.

“A gente não tem nenhuma restrição com relação à participação do Legislativo”

De acordo com Andrei, a participação dos vereadores através da comissão pode agregar visões diferentes, além de levar à Secretaria de Saúde demandas da comunidade que, algumas vezes, não chegam até o conhecimento da pasta.

A Comissão Especial vai analisar as críticas recorrentes da população de Joinville sobre a saúde pública. Os usuários reclamam das longas filas nos Prontos Atendimentos e falta de consultas com clínicos gerais e especialistas.

Os vereadores também avaliarão a disponibilidade orçamentária e financeira. O texto que cria a Comissão Especial reconhece os problemas na saúde pública do município.

“Vejo como uma grande oportunidade de trazer o Poder Legislativo para dentro da gestão da Secretaria, para que estas medidas, dificuldades e desafios possam ser bem compreendidos pelos vereadores e eles colaborem com a proposição de soluções”, afirma Kolaceke.

Além da participação na busca de soluções, a força política dos vereadores é vista por Kolaceke como uma aliada no enfrentamento dos problemas da saúde de Joinville, inclusive em setores fora da administração municipal.

“Os vereadores têm uma força política para buscar soluções inclusive a nível estadual e federal. Trazer eles para o jogo pode ser muito vantajoso para a nova gestão da Secretaria de Saúde”, defende.

Sem arrependimentos

Em 11 meses no comando da Secretaria de Saúde, Andrei Kolaceke não acumulou arrependimentos. “Não necessariamente todas as decisões que tomei seriam iguais, mas não existe uma decisão que eu tenha me arrependido, que eu fizesse diferente diante das circunstâncias em que eu estava naquele momento”, avalia.

Para Andrei, a “grande marca” de sua gestão na pasta está justamente na melhora dos indicadores e no que ele chama de “retomada dos processos de promoção da saúde”. Joinville alcançou, no último mês de fevereiro, nota 6,94 no Indicador Sintético de Desempenho, do Ministério da Saúde, um crescimento com relação ao índice anterior, que registrou nota 6,91.

“A gente tem trabalhado intensamente para mudar a cara da saúde pública de Joinville. É um processo que não necessariamente começou comigo e não necessariamente vai acabar comigo à frente da Secretaria”, explica o secretário.

De acordo com Kolaceke, nos últimos 11 meses, houve um esforço para inverter a lógica da saúde pública. Segundo ele, o sistema passou a concentrar esforços na promoção da saúde, para evitar o adoecimento da população.

“Todo esse contexto vai gerar seus frutos e evitar a sobrecarga dos serviços. A gente conseguiu tirar a saúde de um ciclo vicioso, em que cada vez tinha que atender um número maior de emergências, e entra num ciclo virtuoso em que, a cada ano, consegue prevenir mais”, explica.

“Se eu puder me orgulhar de um legado, é neste sentido. A gente está num ciclo de melhorias dos indicadores de saúde e da qualidade de vida da população. Esses frutos podem não ser imediatos, mas com certeza vão aparecer”, completa Andrei.

Perspectivas para a nova gestão

Recentemente, o governo do Estado anunciou tratativas para assumir parte da folha de pagamento do Hospital Municipal São José. Esta medida, na compreensão de Kolaceke, pode contribuir para uma melhora no cenário atual, já que fará sobrar mais recursos para investimento. “Eu acredito que existe uma grande oportunidade, não de resolver completamente o problema, mas, pelo menos, melhorar bastante a situação”, afirma.

Sobre o novo comando da pasta, Andrei acredita que o caminho iniciado por ele, com foco na saúde preventiva e fortalecimento dos serviços de atenção primária, deve ser mantido. “Isso precisa ser prioridade no âmbito do município, para que a gente evite o adoecimento da população e, consequentemente, a superlotação dos hospitais, unidades de pronto atendimento, dentre outros serviços especializados”, afirma.

“O caminho ideal a se percorrer é nesse sentido, de se trabalhar a prevenção, a promoção da saúde”

Segundo Andrei, a visão da nova secretária, Tânia Eberhardt, a respeito do sistema público de saúde, é semelhante à dele. “A gente tem bastante alinhamento no que diz respeito à política de saúde, a forma como a gente vê o SUS e as prioridades dentro da rede”, pontua.

Tânia começa a atuar nesta segunda-feira (24) – Foto: Prefeitura de Joinville/Divulgação/ND

Tânia Eberhardt assume o comando da pasta nesta segunda-feira (24), com a missão de solucionar os diversos problemas enfrentados pela Saúde de Joinville, especialmente nas últimas semanas.

Para isso, Eberhardt traz na bagagem passagens pela Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, direção do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt e do Hospital Municipal São José, além de já ter atuado como secretária de Saúde de Joinville e, mais recentemente, de Araquari.

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