Hospital de Chapecó adota protocolo humanizado para autistas

Cada pessoa é única, com características próprias e necessidades singulares. Com esse olhar de humanização e empatia, o Hospital Unimed, em Chapecó/SC, adequou a forma de atendimento de pacientes com TEA (Transtorno do Espectro Autista) no Pronto Atendimento.

Pulseira identifica crianças autistas para que profissionais de saúde e demais pacientes e acompanhantes identifiquem e compreendam a prioridade de atendimento – Foto: Reprodução/MB Comunicação/ND

Desde 1º de janeiro de 2023 o paciente ou familiar recebe etiqueta com a frase “Criança autista: seja solidário” ou pulseira que informa “Sou autista, tenha paciência” para que profissionais de saúde e demais pacientes e acompanhantes identifiquem, compreendam e oportunizem um atendimento mais ágil. Outra ação diferenciada é a inserção de alerta no prontuário eletrônico, com a sigla AUT ao lado do nome, para que todos os profissionais envolvidos com o cuidado tenham conhecimento e possam atender de forma diferenciada e com maior agilidade.

O novo fluxo ocorre da seguinte maneira: ao chegar no Pronto Atendimento o paciente ou familiar retira uma senha preferencial no Totem. O primeiro profissional do atendimento disponível chama para iniciar o cadastro dos dados. Neste momento, ao identificar que se trata de um paciente com TEA, entrega a etiqueta de identificação para ser colada no paciente ou acompanhante.

Na sequência, o enfermeiro verifica os sinais vitais, registra o relato e conforme o Protocolo Universal de Manchester acrescenta uma pulseira com a respectiva cor da classificação de risco. O atendimento médico seguirá a prioridade segundo a Classificação de Risco, atendendo de forma sensibilizada e individualizada as necessidades do paciente. Para que todo esse processo ocorra é muito importante que o acompanhante informe a condição do paciente (TEA) para que então os profissionais utilizem as ferramentas disponíveis.

Iniciativa

Suélem Klein, coordenadora do Pronto Atendimento, explica que a unidade hospitalar já prestava atendimento de maneira humanizada, porém identificou falhas de comunicação entre as etapas, que poderiam gerar desconforto ao paciente e seu familiar. A necessidade de rever o fluxo ficou mais evidente após a cooperativa médica receber uma manifestação de beneficiário por meio do Canal de Ouvidoria, em novembro do ano passado.

“A partir disso, mapeamos as fragilidades e surgiram três ações que foram implantadas com apoio de diversos setores, como Pronto Atendimento, Marketing, Projetos, Tecnologia de Informação e Compras”, explica a coordenadora.

Ao longo desse processo, segundo Suélem, a equipe de atendimento, profissionais de enfermagem e médicos colocam a ação em prática. “Em todas as etapas muitos colaboradores se sensibilizaram, principalmente por ter um familiar ou alguém do convívio pessoal com TEA. Hoje todos se sentem pertencentes a esse projeto”, relata.

Para ela, as ações da cooperativa médica mostram-se efetivas quando melhoram a experiência do cliente, que mesmo estando em um ambiente hospitalar percebe o respeito e o acolhimento.

Humanização

Circulam diariamente no Pronto Atendimento centenas de pessoas e profissionais de saúde, o que resulta também em um considerável número de atendimentos. Por isso, é fundamental identificar e trabalhar com as particularidades de cada um e não apenas com suas queixas e dores para prestar um atendimento humanizado.

“Realidades diferentes exigem olhares atentos e sensíveis, aliados à adaptação do atendimento. O paciente com TEA necessita ser atendido com o máximo de agilidade dentro de sua classificação de risco, porque pode apresentar agitação e desconforto em ambientes com muitas pessoas e fora de sua rotina, podendo até se negar a permanecer no ambiente hospitalar”, comenta a coordenadora do Pronto Atendimento ao enaltecer a importância de também informar aos demais pacientes sobre essa particularidade para que sejam solidários.

Para a pediatra e plantonista do Pronto Atendimento, Dra. Margarida A. Winckler, ter a informação de paciente com diagnóstico de TEA ou que está investigando faz toda a diferença no momento do atendimento porque o aborda de maneira mais tranquila e compreendendo os limites de aceitação. “As maiores dificuldades de todo autista, em graus variados, são de comunicação e interação social. Então, diante de um ambiente hostil e de dor, terá desconforto, ficará mais ansioso, agitado e inquieto, o que dificultará o atendimento ou qualquer procedimento necessário”, enfatiza.

Hospital Unimed Chapecó . – Foto: Reprodução/MB Comunicação/ND

A médica reforça que esse olhar sensível às diferenças e um atendimento personalizado se torna ainda mais difícil no setor de emergência. “Ao ter uma cirurgia marcada ou um procedimento eletivo podemos preparar toda a equipe para receber o paciente, mas quando ele cai, se corta ou tem alguma intercorrência mais grave não é possível esperar. Então, ter essa informação sobre o TEA colabora para acolher adequadamente essa família”, afirma Dra. Margarida.

Segundo o médico do trabalho e presidente da Unimed Chapecó, Dr. José Pegoraro Foresti, a cooperativa médica como prestadora de serviço na área da saúde tem o dever de promover a inclusão social de todos os pacientes. “Não devemos olhar apenas para as adaptações de estrutura. Nosso cuidado deve abranger também as necessidades do ponto de vista intelectual/de comportamento”, defendeu.

É importante que ao receber o diagnóstico, a família busque adquirir a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista para o paciente. Este documento visa garantir a atenção integral e a agilidade de atendimentos em serviços públicos e privados.

Amparos legais

Lei nº 13.977/2020: Batizada de Lei Romeo Mion, criou a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. O documento facilita o acesso a direitos básicos e permite o planejamento de políticas públicas.

Lei nº 13.146/2015: Estatuto da Pessoa com Deficiência, que objetiva assegurar e promover os direitos e as liberdades fundamentais da pessoa com deficiência.

Lei nº 12.764/2012: Instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que lhes assegura o atendimento prioritário nos sistemas de saúde pública e privada.

Conscientização

Com o objetivo de levar informação à população para reduzir a discriminação e o preconceito contra indivíduos que apresentam TEA, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, celebrado no dia 2 de abril. O transtorno se caracteriza, entre outras manifestações, por dificuldade de interação social e presença de comportamentos repetitivos, além de apresentar diferentes graus, classificados de leve à grave.

A neurologista pediátrica Dra. Katia Werneck Seitz explica alguns sinais e sintomas avaliados para a suspeita de autismo: não responder ao ser chamado, não estar em busca de outras pessoas e caminhar sem rumo pelo espaço, acompanhados ou não de movimentos repetitivos (estereotipias). E, ainda, atraso na fala, distúrbios do sono, da alimentação (seletividade alimentar), nervosismo e crises de birra intensas, apego a rotinas e rituais, interesses restritos e repetitivos, hiperfoco em objetos ou assuntos específicos e dificuldade em se relacionar com seus pares.

Até 2020, estimativas apontavam um percentual de 1,5% a 2% de prevalência de autismo mundial, porém com a pandemia da covid-19 esse indicador aumentou consideravelmente. Em 2020, dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontaram que o espectro acometia mais de 70 milhões de pessoas no mundo. Dra. Katia comenta que o número de pessoas com autismo em Chapecó e na região ainda não é preciso. Só na instituição da APAE Chapecó, o número de indivíduos com autismo é de 48, para um total de 352 educandos. Além disso, no momento, 465 crianças estão na fila de espera do Sistema Nacional de Regulação (SISREG) do Sistema Único de Saúde (SUS) para avaliação por atraso no desenvolvimento.

Conforme dados do Portal do Autismo de Santa Catarina, da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), “a quantidade exata de pessoas diagnosticadas com TEA ainda é incerta. A prevalência estimada por órgãos internacionais é de um caso para cada 44 nascimentos. No Brasil, estima-se que haja, aproximadamente, dois milhões de pessoas com TEA. A expectativa é de que, em breve, a partir dos resultados do Censo Demográfico 2022, seja apresentado um panorama oficial do autismo no Brasil. Esse questionamento ocorreu pela primeira vez, por força da Lei nº 13.861/2019, que obrigou o IBGE a incluir as especificidades inerentes ao TEA no censo populacional”.

Em Santa Catarina, uma das bases de dados que oferece um panorama é a Carteira de Identificação do Autista, expedida pela FCEE. De fevereiro de 2020, quando foi lançada, até janeiro de 2023, 8.171 pessoas com TEA já foram beneficiadas com o documento. Nas 238 instituições especializadas credenciadas à FCEE, são atendidas 11.885 pessoas com TEA, sendo 6.289 educandos até 5 anos de idade; 3.631 entre 6 a 17 anos; e 1.965 acima de 18 anos (dados de janeiro de 2023). Outra referência catarinense é o sistema Educação na Palma da Mão, da Secretaria de Estado da Educação (SES), que revelou em janeiro deste ano 6.898 estudantes com diagnóstico de TEA matriculados na rede estadual de ensino. Destes, 4.882 estão no ensino fundamental, 1.977 no ensino médio e 36 em turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Número crescente

Para a sensação de um elevado crescimento no número de crianças com sintomas de autismo no pós-pandemia de covid-19, a neurologista pediátrica aponta alguns fatores importantes que devem ser analisados. O primeiro ponto é que nas últimas décadas ocorreu o aumento da prevalência do autismo diagnosticado na população mundial. “Isso se deve a vários fatores, como os critérios mais amplos adotados atualmente, um melhor acesso à informação e serviços de saúde com mais recursos para o diagnóstico”, complementa.

Outra situação é o chamado “autismo virtual”, reflexo do acentuado aumento no uso de dispositivos móveis de comunicação digital, como celulares e tablets. A Pesquisa TIC Kids Online Brasil, em 2019, realizada com famílias brasileiras, apontou que o uso de dispositivos eletrônicos diminuiu a capacidade de comunicação, de resolução de problemas e de sociabilidade de crianças de até 5 anos. “Quando os pais fornecem à criança um vídeo no celular ou no tablet ativam as vias de processamento cerebral, que são predominantemente passivas. Esse tipo de atividade passiva ocupa um tempo em que o bebê poderia ser estimulado com atividades que aperfeiçoam a capacidade de coordenação motora e outras habilidades importantes nessa faixa etária”, alerta Dra. Katia.

Outro estudo, publicado na Revista Jama Pediatrics, em 2020, observou que a visualização de telas pelas crianças aos 12 meses de idade foi associada a mais sintomas semelhantes ao Transtorno do Espectro Autista, enquanto que no comparativo com mais brincadeiras dos pais estavam associadas a menos sintomas. “Importante lembrar que estímulos visuais e auditivos não são suficientes para o desenvolvimento da criança. Para a aquisição de habilidades motoras, cognitivas e comportamentais, é necessário que todos os sentidos sejam estimulados”, frisa.

O desenvolvimento da inteligência sensório-motora dos bebês se dá pelo deslocamento no espaço e no encontro com objetos concretos e manipuláveis. “É justamente disso que as telas os privam. A virtualização da primeira infância tem levado a atrasos importantes no desenvolvimento neuropsicomotor, especialmente, em relação à fala, à linguagem e ao estabelecimento de laços afetivos. Conforme orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Academia Americana de Pediatria (AAP), nesta faixa etária o uso de telas deverá ser feito apenas para fins afetivos e sempre supervisionado”, finaliza Dra Katia.

Sintomas do Autismo Virtual

  •  Falta de contato visual;
  • Isolamento social;
  • Pouca ou nenhuma interação com os outros;
  • Sinais de atraso no desenvolvimento.

Dra. Katia Werneck Seitz destaca que esses sintomas desaparecem quando a criança passa a brincar com outras pessoas ou com brinquedos palpáveis e interativos.

Orientações aos pais

Para crianças menores de 2 anos, a neurologista pediátrica sugere:

  •  Evitar o uso de telas como brinquedos;
  • Valorizar e estimular o ato de brincar.

Com informações da MB Comunicação 

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