Professora da UFSC e liderança científica alerta para desigualdades enfrentadas por mulheres na ciência

A falta de igualdade de gênero na ciência e o enfrentamento aos obstáculos que constroem esses cenários precisam ser lembrados e confrontados. Essa é a avaliação da professora Débora Peres Menezes, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que também é diretora no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e foi a primeira mulher a presidir a Sociedade Brasileira de Física.

“A academia tem que ser o mais inclusiva possível. E aí eu vejo a UFSC como protagonista de ações bem importantes”, destaca a cientista, pesquisadora de Física Nuclear, que recentemente publicou um artigo sobre os desafios das mulheres cientistas no repositório arXiv, da Universidade Cornell. Ela cita como exemplo positivo de enfrentamento às desigualdades o Prêmio Propesq-Mulheres na Ciência, que contempla apenas cientistas mulheres e destaca suas carreiras e trajetórias na universidade.

Conhecido como Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, esta terça-feira, 11 de fevereiro, é a data estabelecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) desde 2015 para promover a inclusão feminina na ciência. “Existe uma estrutura na sociedade que não facilita a identificação de mulheres, principalmente, com as Ciências Exatas. Eu costumo lembrar a primeira lei do Império que já deixava as meninas de fora do ensino de Matemática”, aponta Débora.

Essa lei também é citada no artigo da pesquisadora. Promulgada em 15 de outubro de 1827, tirava das meninas o direito de aprender matemática, com o argumento de que só precisavam aprender

A professora Debora é uma liderança destacada na luta pela inclusão das mulheres na ciência
Foto: Divulgação/CNPq

o básico. “Antes de falar sobre como alavancar a carreira das mulheres nas ciências, eu acho que ainda é importante a gente pensar em como atrair mais mulheres para as ciências. Essa atração envolve lutar contra vieses, estereótipos já bem arraigados e algumas crenças infundadas”, comenta a professora.

Estereótipos afastam desde a infância

Embora o cenário tenha evoluído, estereótipos de gênero afastam meninas dessas carreiras desde a infância. “Essa construção social existe até hoje e fica patente nas barreiras e micro-agressões diárias que as mulheres precisam enfrentar”, argumenta a professora, antes de registrar o dado de que “aos sete, as meninas já se enxergam como menos inteligentes que os meninos”.

Segundo a professora, a desigualdade também se reflete nas premiações científicas, que contemplou 65 mulheres e 908 homens até 2024, sendo apenas cinco na Física (dentre 229), três na economia (dentre 96) e oito na Química (dentre 200). “Casos mais próximos da nossa realidade são a existência de apenas uma mulher Ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação (Luciana Santos), uma mulher presidente da Academia Brasileira de Ciências, instituição que existe desde 1916 (Helena Nader), e três mulheres no Supremo Tribunal Federal (STF), instituído em 1889, com a promulgação da República”, pontua.

Prêmio para mulheres cientistas da UFSC foi criado em 2021

Segundo o relatório Global Gender Gap 2024, do Fórum Econômico Mundial, a representação feminina tanto nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, no acrônimo em inglês) quanto em outras áreas do conhecimento aumentou desde 2016. Mas mulheres ainda estão sub-representadas em cargos destas ciências, representando apenas 28,2% da força de trabalho nas áreas, em comparação com 47,3% nos demais campos. Ainda, o documento observa que as mulheres ocupam um quarto dos cargos de liderança em setores não STEM, mas apenas pouco mais de um décimo nas áreas STEM.

Mães precisam de políticas específicas

Além das dificuldades institucionais, desafios sociais, como a conciliação entre maternidade e carreira acadêmica, tornam a trajetória feminina na ciência ainda mais árdua, segundo a professora. No artigo, ela cita movimentos como o Parent in Science, que têm chamado a atenção para a necessidade de medidas mais inclusivas: “uma coisa que me parece importantíssima é a criação de políticas específicas para as mães de crianças pequenas. Quando a gente pensa em alunas de pós-graduação ou até mesmo de graduação, essas políticas para tentar manter as mães de crianças pequenas mais tempo na academia precisam avançar bastante. Também ainda me parecem um pouco incipiente”, comenta.

A professora ressalta que a desigualdade de gênero no meio acadêmico não se limita ao acesso à educação, mas também ao financiamento e às oportunidades de ascensão profissional. Apesar disso, ela celebra uma mudança recente: hoje, o CNPq tem mais mulheres do que homens entre seus financiados. “Mas não necessariamente a verba disponibilizada é maior para as mulheres, porque muitas das mulheres atuam em áreas mais de humanas, onde o requisito necessário para o desenvolvimento das pesquisas em termos de recursos financeiros é menor. Ainda assim os homens conseguem mais recursos”, completa.

Efeito tesoura precisa ser combatido

A professora também enxerga o chamado “efeito tesoura” como um desafio para mulheres. Este termo é utilizado para se referir a um fenômeno marcante com relação à inclusão das mulheres no mundo do trabalho e que também atinge em cheio as carreiras científicas: o fato de, para elas, ser mais difícil subir aos mais altos níveis da carreira.

Em 2023, o Ministério da Educação (MEC) divulgou que, na Educação Superior, mulheres predominam entre os matriculados e concluintes, mas são minoria entre os docentes nessa etapa. Esse é um dos demonstrativos do efeito tesoura nas carreiras acadêmicas: embora sejam maioria entre concluintes, não são maioria entre docentes.

“Eu acho que esse efeito tesoura, que corta as mulheres de posições mais altas, que é presente na sociedade, é bem forte na academia, mesmo em áreas onde as mulheres são maioria”, comenta. “Se a gente olhar para as áreas com poucos homens, e se a gente for olhar postos de liderança, chefes de laboratório, chefes de departamento, direção de centro, ainda são os homens que costumam aparecer com uma predominância maior “.

Uma possível solução, segundo ela, seria caminhar para estimular cotas mínimas de mulheres em cargos de posição mais alta sem desconsiderar as limitações que, por exemplo, a maternidade pode impor a elas.

Canal para divulgar cientistas mulheres e temas científicos comentados por mulheres começou em 2019

Divulgação científica para combater estereótipos

A professora também destaca a importância da divulgação científica para combater estereótipos. Seu projeto Mulheres na Ciência, criado em 2019, utiliza plataformas digitais para popularizar o conhecimento científico e incentivar meninas a ingressarem nesse universo. “O projeto teve início com um canal aberto no YouTube em setembro de 2019, cujo objetivo foi trazer a público diversos tópicos científicos de forma descomplicada e objetiva por meio de filmes curtos produzidos e protagonizados por cientistas e estudantes mulheres”, relata, no artigo.

Segundo ela, a ideia inicial era usar o canal para contribuir, ao mesmo tempo, com o letramento científico dos brasileiros, a divulgação científica de assuntos de ponta e lutar contra o falso estereótipo de gênero que enxerga mulheres como menos competentes do que os homens.

“Os roteiros são pensados e escritos por mulheres e os vídeos são também protagonizados por mulheres. Os filmes discutem desde a segurança envolvida na utilização do forno de micro-ondas e nos celulares até assuntos de saúde pública, como a luta contra as superbactérias e a falácia por trás das terapias quânticas”, acrescenta.

Em vídeo publicado há três semanas, por exemplo, Débora fala sobre a trajetória da professora e arqueóloga Niède Guidon, lembrando que a maior parte da população brasileira desconhece o patrimônio científico produzido pela cientista, fundadora da Fundação Museu do Homem Americano e o Museu da Natureza, no Piauí, o maior parque de pinturas rupestres do mundo.

O projeto, segundo Débora, busca dar visibilidade e voz a várias cientistas, de diversas áreas do conhecimento, o que não fideliza o público a uma imagem única, como acontece em canais com muitos seguidores. “Essa vulnerabilidade é bastante óbvia, mas a ideia não é dar notoriedade a uma ou duas pessoas, mas manter o objetivo de divulgar ciência de qualidade e treinar possíveis futuras divulgadoras de ciência”, completa.

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