Participantes de audiência pública defendem tese do marco temporal

Audiência lotou as dependências do Auditório Antonieta de Barros com agricultores e moradores de municípios que podem ser prejudicados
FOTO: Rodolfo Espínola/Agência AL

Os participantes da audiência pública realizada na tarde desta segunda-feira (15) pela Assembleia Legislativa foram unânimes na defesa da tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Eles também alertaram para a insegurança jurídica que a derrubada dessa tese, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), poderá causar não só em Santa Catarina, mas em todo o território nacional.

A audiência, proposta pelo presidente da Alesc, deputado Mauro de Nadal (MDB), reuniu, no Auditório Antonieta de Barros, centenas de moradores, agricultores e autoridades de municípios que podem ter seus territórios afetados por demarcações de terras indígenas, em especial Cunha Porã, Saudades, Vitor Meireles e Palhoça. Somente de Cunha Porã e Saudades, vieram quatro ônibus de agricultores cujas terras estão ameaçadas.

Com base nas manifestações colhidas na audiência, o presidente da Assembleia irá a Brasília para demonstrar a posição de Santa Catarina em defesa da tese do marco temporal, pela qual só devem ser demarcadas terras que estavam ocupadas por povos indígenas até a data da promulgação da Constituição Federal, dia 5 de outubro de 1988.

“Queremos marcar audiências no STF com os ministros que ainda não proferiram seus votos”, disse Nadal. “Vamos levar até eles a Carta do Parlamento Catarinense, com a nossa interpretação do marco temporal. Daremos conhecimento desse conteúdo também aos presidentes do Senado e da Câmara. A audiência que fizemos hoje nos dá segurança nesse encaminhamento.”

O STF deve retomar o julgamento da tese do marco temporal no dia 7 de junho. Até o momento, o resultado tem um voto contrário (do relator do caso, ministro Edson Fachin) e um favorável (do ministro Nunes Marques).

Preocupação
Prefeitos de três cidades que serão afetadas caso o marco temporal seja derrubado demonstraram preocupação com o futuro de seus municípios. Eduardo Freccia, de Palhoça, disse que uma eventual demarcação de terras indígenas ocupará boa parte do território local. “A comunidade da Enseada de Brito, que comemorou no fim de semana 273 anos, está ameaçada de ser despejada. São famílias que possuem toda a documentação de seus terrenos.”

Nos casos de Cunha Porã e Saudades, a preocupação é ainda maior. Em 2007, portaria da União declarou a posse permanente de 2,7 mil hectares de terra ao grupo guarani Nhandéva-Chiripá, impactando 153 famílias em 214 propriedades pequenas, com média de 15 hectares, cada.

“Nasci e cresci em Cunha Porã. Nunca vi índio lá”, afirmou a prefeita de Cunha Porã, Luzia Vacarin. “Temos famílias com escrituras de 100 anos. Fomos convidados pelo governo no passado a colonizar a região e esse mesmo governo quer tirar nosso direito à propriedade.”

“É uma situação injusta. Não tinha índio lá em 1988”, disse o prefeito de Saudades, Maciel Schneider. “Só no nosso município, são 7% do território. Essas terras são dos nossos produtores, que estão lá há gerações.”

O presidente do Movimento do Defesa da Propriedade e Dignidade (DPD), Nilson Immich, que é agricultor em Cunha Porã, afirmou que a portaria da 2007 tem prejudicado as famílias. “Não podemos ter acesso a financiamento, fazer inventário, muitos investimentos não são feitos, porque as terras não são aceitas como garantia”, disse. “No marco temporal, não se mexe, está na constituição. Se isso mudar, uma desgraça vai ocorrer em nossa região.”

Mobilização
O procurador-geral do Estado, Márcio Vicari, afirmou que o marco temporal é uma tese que já foi pacificada pelo STF em mais de uma ocasião. Segundo ele, o governo estadual está dedicado a defender os agricultores catarinenses. “Não se pode tratar Santa Catarina como outras regiões do país, é uma situação diferenciada”, disse. “Aqui não temos latifúndios, qualquer demarcação atinge centenas de famílias.”

O senador Jorge Seif (PL) disse que a derrubada do marco temporal seria “arbitrariedade, retrocesso e desrespeito não apenas com os catarinenses, mas com todos os brasileiros”. Para Seif, não se trata de retirar direitos dos povos indígenas, “mas não podemos permitir que um absurdo desses [a derrubada do marco temporal] aconteça.”

O deputado federal Valdir Cobalchini (MDB) comentou que o Congresso Nacional deve acelerar a votação do PL 490/2007, que prevê, entre outras coisas, o pagamento de indenizações para quem perder as terras para demarcações. “É uma forma que temos para defender o que foi legitimamente adquirido e pago.”

O secretário de Estado da Agricultura, Valdir Colatto, disse que a derrubada do marco temporal seria uma “reforma agrária ao inverso”. Para ele, o problema dos povos indígenas, “não é terra, é cidadania e integração”.

Colatto adiantou que ao Estado está concluindo um levantamento dos bens das áreas que podem ser demarcadas, visando ao pagamento de eventuais indenizações aos proprietários. “Os agricultores não querem deixar suas terras, mas se isso acontecer, alguém tem que pagar essa conta.”

Mais presenças
Participaram da audiência pública os deputados Marcos Vieira (PSDB), Altair Silva (PP), Sergio Guimarães (União), Oscar Gutz (PL) e Camilo Martins (Podemos). Eles afirmaram que a derrubada do marco temporal representaria uma quebra da segurança jurídica no Brasil.

Entidades como a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc), Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Santa Catarina (Fetaesc), Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas (FCDL) e da Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina (Facisc) também participaram do encontro. Seus representantes também se manifestaram pela manutenção do marco temporal.

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