Clínica de reabilitação é interditada por indícios de tortura e cárcere privado em SC

Comunidade terapêutica acolhia pessoas com dependência química

Comunidade terapêutica acolhia pessoas com dependência química (Foto: ilustrativo/Freepik)

Ao todo, 38 pessoas foram resgatadas de condições de violação de direitos humanos em uma ação do Ministério Público

Uma clínica de reabilitação em Gravatal, no Sul de Santa Catarina, foi interditada pelo Ministério Público (MP) por indícios de tortura, cárcere privado, maus-tratos e outras irregularidades que poderiam causar riscos aos pacientes. Caracterizado como comunidade terapêutica, o local é voltado para pessoas com histórico de abuso ou dependência de drogas, mas também estava atendendo pacientes com diagnósticos de transtornos mentais e que não poderiam estar acolhidos nesse tipo de estabelecimento. Ao todo, 38 pessoas foram resgatadas de condições de violação de direitos humanos.

A vistoria à comunidade terapêutica aconteceu na última quarta-feira (24), mas foi divulgada pelo Centro de Apoio Operacional da Saúde Pública (CSP) do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) na sexta (26). No mesmo dia em que o Programa Saúde Mental em Rede realizou a visita, o estabelecimento foi interditado.

A primeira irregularidade constatada foi que não havia qualquer funcionário ou pessoa responsável pela gestão e organização do espaço. Ao ingressar, as autoridades perceberam que apenas uma pessoa acolhida pela instituição estava como “monitor”, fazendo o trabalho de administração do local e até ministrando medicação para os outros acolhidos.

A situação mais grave foi encontrada nos fundos do imóvel, onde cerca de 15 pessoas estavam presas, cercadas por uma grade e muros altos com arame farpado no alto. A maioria era egressa do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Santa Catarina. Os acolhidos relataram uma série de situações que podem ser consideradas violação de direitos humanos.

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— As pessoas dentro desse espaço estavam privadas de liberdade, muitas delas machucadas, feridas, relataram sofrer maus-tratos, tortura, privação de refeições como forma de punição e informaram serem proibidas de saírem da comunidade — conta o coordenador do CSP, promotor de justiça Douglas Roberto Martins.

Por conta da gravidade da situação, a equipe de fiscalização acionou a Polícia Civil imediatamente para apurar a suposta prática dos crimes de cárcere privado, maus-tratos, tortura e retenção de cartões de benefício de prestação continuada e aposentadoria.

Além disso, pessoas que não poderiam estar acolhidas em uma comunidade terapêutica foram encontradas no local. Entre elas um adolescente, que já havia passado pelo Hospital de Custódia e é diagnosticado com transtornos mentais associados. A condição dele não está ligada ao uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas, e ainda demandava cuidados de saúde que não eram fornecidos pela clínica de reabilitação. O adolescente foi resgatado pelo Conselho Tutelar da cidade de origem, que foi chamado pelo MPSC.

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Os demais acolhidos passaram por avaliação psiquiátrica, sendo que quatro casos com condições mais graves de saúde mental foram encaminhados para atendimento em hospital geral, e os demais foram deslocados ao longo da quinta-feira (25) para outras instituições ou para retorno às famílias.

Ao todo, 38 pessoas foram resgatadas de condições de violação de dignidade e “absolutamente precárias”, segundo o promotor de justiça responsável pelo caso.

Recurso do governo do Estado
O MPSC também identificou que a comunidade terapêutica estava recebendo recurso do programa Reviver do governo do Estado. A iniciativa, criada em 2013, busca garantir o tratamento a dependentes químicos a partir do financiamento de vagas em instituições de reabilitação com recursos públicos. Em 2014, o então governador Raimundo Colombo assinou contratos com 43 comunidades terapêuticas de Santa Catarina para atender 1.200 pessoas.

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— Nós também vamos precisar avaliar agora de que forma o programa tem feito o acompanhamento dessas pessoas quando encaminhadas para esses espaços. Se está fazendo uma avaliação de adequação, se realmente aquelas pessoas podem ser acolhidas em comunidade terapêutica, e se estão fiscalizando e acompanhando a continuidade desse acolhimento, que é uma responsabilidade do Estado a partir do momento em que utiliza dinheiro público para custear as vagas — conclui o coordenador do CSP.

Encaminhamento dos acolhidos e continuação do processo
O relatório e a documentação da vistoria, entrevistas com os acolhidos, filmagens, fotos, laudo da Vigilância Sanitária, laudo do Corpo de bombeiros e laudo do Estudo Social serão encaminhados para a Promotoria de Justiça da comarca de Armazém, que dará continuidade ao processo.

Conforme o coordenador do CSP, 15 egressos de medida de segurança do Hospital de Custódia estavam no local, sendo que alguns deles estão há anos na instituição.

— Eles receberam alta de tratamento psiquiátrico em regime de internação e deveriam seguir com o acompanhamento ambulatorial, pelos serviços da rede de Atenção Psicossocial, porém foram colocados nessa comunidade terapêutica, onde permaneciam com a liberdade restrita e sem qualquer tipo de acompanhamento de saúde, lembrando que as Comunidades Terapêuticas não podem receber esse tipo de demanda, como previsto na RDC n. 29/2011 da ANVISA, o que exigirá uma discussão e articulação de âmbito estadual nas próximas semanas — explica Martins.

De acordo com o MPSC, o promotor de justiça Marcus Vinícius dos Santos, que já deu continuidade aos trabalhos na comunidade terapêutica na quinta-feira, está buscando o melhor encaminhamento para cada um dos pacientes do local, para garantir que eles estejam em segurança e com respeito à dignidade.

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