Após 35 anos de sua morte, família de preso político de SC vai receber R$ 70 mil de indenização

A família de um professor de Lages, na Serra de Santa Catarina, que foi preso e torturado durante a ditadura militar, será indenizada em R$ 70 mil. A decisão é do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

Justiça Federal determinou que a União pague indenização à família de preso político de SC – Foto: Divulgacão/JusCatarina/ND

O docente morreu em abril de 1988, aos 64 anos, e teve a condição reconhecida em 2007 pelo Ministério da Justiça. O valor deve ser pago à viúva, hoje com 99 anos, e aos quatro filhos, que têm entre 65 e 73 anos. A sentença é da juíza da 2ª Vara Federal de Itajaí, Vera Lucia Feil, e foi proferida na última sexta-feira (9).

“A função pedagógica desta condenação, juntamente aos inúmeros casos similares que tramitam na Justiça Federal, deve servir como um instrumento que atue na memória de nossa sociedade e do Estado, os quais recentemente têm dado sinais de que não recordam exatamente o que ocorreu entre 1964 e 1985”, afirmou a juíza na decisão.

De acordo com o processo, o anistiado foi preso poucos dias depois do golpe de 1º de abril de 1964, sob a acusação de prática subversiva na escola onde ensinava.

A família ficou dias sem notícias da vítima e, mesmo após sua liberação, teve danos com as consequências, pois passou a sofrer preconceitos que causaram problemas financeiros – além de professor, o pai era alfaiate e perdeu clientes.

Na sentença, a juíza citou a jurisprudência consolidada do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que considera possível a acumulação da reparação econômica prevista em Lei com a indenização.

“O STJ já firmou entendimento sobre a possibilidade de pleitear judicialmente a reparação por danos morais, considerando que a reparação administrativa abrange tão somente os danos materiais”, explicou Vera Feil.

A juíza também refutou as alegações da União, de que a pretensão da família estaria prescrita, pois os fatos ocorreram há quase 60 anos.

“Embora (atualmente) se considere que os atos praticados durante aquele período violaram vários direitos humanos fundamentais, não se pode dizer que o direito à reparação dos danos era exigível frente ao ordenamento jurídico vigente até a entrada em vigor da Constituição de 1988”, observou. “Durante o período do regime militar não havia sequer a possibilidade de nascimento da ação (actio nata), tendo em vista que totalmente tolhido o direito de acesso à Justiça”, explicou a magistrada.

A comprovação de tortura física foi considerada totalmente desnecessária para a juíza. “Quando a tortura é praticada pelo próprio Estado, utilizando sua estrutura e o monopólio (ilegítimo) da força para tanto, não costuma deixar vestígios para posterior comprovação, tanto que na época simplesmente fazia-se constar em documento que o ‘fichado’ foi ‘posto em liberdade’, demonstrando que era possível na época prender alguém pelo fato de participar de uma reunião e depois soltá-lo sem justificar o motivo da prisão”, considerou.

“Com efeito, não se poderia esperar que os agentes do regime de exceção deixassem documento ‘escrito’, constando que o preso foi torturado fisicamente e o modo pelo qual a tortura foi consumada”, concluiu Vera Feil. Ainda cabe recurso.

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