Mensageiro: “Equívoco” permitiu advogados de defesa acessarem delações, diz desembargadora

O voto da relatora e desembargadora Cinthia Schaefer, que aceitou na última quinta-feira (13) a denúncia criminal do MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) na Operação Mensageiro contra o prefeito de Capivari de Baixo, Vicente Correa Costa, e o secretário de Fazenda e Gestão do município, Glauco Gazolla Zanella, revela que a defesa dos dois réus “foi cadastrada, por equívoco, em procedimentos de colaborações premiadas com diligências em andamento” e “teve acesso momentâneo à integralidade dos autos de colaborações premiadas”, inclusive fazendo o download do material.

Sessão da Operação Mensageiro no TJSC – Foto: Felipe Kreusch/ND

No despacho que tornou réus os dois acusados, que continuam presos, a desembargadora aponta o erro da operação e destaca os termos da lei que regulamenta as delações desde 2013 (12.850/13). Segundo a norma, o acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador deverão ser mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, ocorrido apenas na semana passada, “sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese”.

Ao Grupo ND, o gabinete da desembargadora no TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) afirmou que não iria se manifestar sobre os processos.

Desembargadora ressalta risco para delatores e cita incêndios suspeitos

Com o cadastro equivocado, realizado em 19 de janeiro deste ano, os advogados Wilson Pereira Júnior e José Fontenelle Neto usaram trechos das delações em prol de seus clientes. Na defesa prévia assinada pelos advogados em março, eles contestam eventos de entrega de propina descritos por delatores da Operação Mensageiro.

Em seu voto, publicado na semana passada, a desembargadora informa que não há ilegalidade nas delações que resultaram na operação e que os delatores devem continuar protegidos, pois crimes contra eles estão sendo investigados.

“Não é desnecessário repisar que há a investigação da possível ocorrência de incêndios criminosos em bens móveis e imóveis de familiares de colaboradores premiados da denominada Operação Mensageiro”, afirma a desembargadora em seu voto.

Em decisão no começo de janeiro, Schaeffer proibiu o Grupo ND e outros veículos de comunicação de divulgar nomes e dos delatores da Operação Mensageiro.

Prefeito de Capivari de Baixo, Vicente Corrêa Costa, foi preso na Operação Mensageiro – Foto: Internet/Reprodução/ND

Defesa de prefeito preso diz que não há provas de corrupção

Em entrevista ao Grupo ND, o advogado Eduardo Faustina da Rosa, atual defensor do prefeito e do secretário de Capivari de Baixo, afirma que não há provas contra os dois réus que comprove corrupção ou organização criminosa. “O prefeito fez aditivos de prazo e não de valor em um serviço essencial para não deixar a cidade desassistida”, argumenta a defesa.

Sobre o acesso dos advogados às delações, Faustina da Rosa diz que assumiu o caso há um mês e que não concorda com a tese defendida pelos outros dois advogados, que usaram as deleções na defesa.

O Grupo ND fez contato com os advogados Wilson Pereira Júnior e José Fontenelle Neto, que segundo a relatora tiveram acesso indevido às delações premiadas, mas eles não atenderam aos pedidos de entrevista até o fechamento desta edição. O espaço continua aberto para que apresentem seus esclarecimentos.

Especialista vê falha da Justiça como possível entrave ao processo

Frederico Brusamolin, advogado e especialista em Direito Penal, afirma em entrevista ao Grupo ND que este acesso pode ter ferido o princípio da isonomia, pois outros advogados não tiveram o mesmo acesso às delações na fase de apresentação de defesas prévias, antes da aceitação da denúncia pelo TJSC, como determina a lei.

Brusamolin classifica a decisão do TJSC e o despacho da desembargadora como “intrigante”. “Essa decisão de uma maneira muito evidente, acabaria ou poderia, na verdade, acabar com a validade do processo. Neste sentido, dois pontos parecem ser muito importantes de serem discutidos: a responsabilidade daquele servidor que habilitou estes advogados de forma indevida, e a que título isso ocorreu, se foi de maneira culposa, dolosa”, analisa.

O especialista aponta ainda que a apuração dos fatos é importante para os próximos passos do Tribunal de Justiça do Estado na operação. “A validade dessas delações vai permear as discussões tanto no tribunal catarinense como nos tribunais superiores”, avalia.

Prefeito foi abordado por esquema antes da posse, diz investigação

Segundo o mesmo voto da desembargadora, a Versa Engenharia, antiga Serrana, empresa pivô no esquema investigado, fez contato com Vicente Corrêa Costa antes mesmo dele tomar posse em Capivari de Baixo, em 2021. Tanto o prefeito como o secretário foram alvo de um dos delatores do esquema.

Com o “conhecimento e concordância” do dono da empresa, o delator teria contatado Corrêa Costa. “Prometendo vantagem indevida para que, em troca, proporcionasse facilidades à empresa Serrana na execução do contrato vigente e em futuros pactos com o ente público, o que teria sido aceito por Vicente”, informa o despacho da desembargadora. O dono da Versa também firmou acordo de delação premiada com o MPSC.

O Grupo Serrana, que controla a Versa Engenharia, informa em nota que “tem o histórico de mais de 30 anos de excelente execução dos contratos administrativos e todos os fatos imputados à empresa na Operação Mensageiro não possuem relação com a qualidade da prestação dos seus serviços aos municípios e a população”.

R$ 80 mil guardados na gaveta

Segundo a investigação, os contratos da Versa, então Serrana, em Capivari de Baixo nos últimos 10 anos foram de R$ 7 milhões e a contratação foi renovada pelo prefeito mesmo após busca e apreensão na sua casa, em um novo contrato de R$ 2,5 milhões.

O voto da desembargadora traz fotos do dinheiro apreendido nas casas do prefeito e do secretário do município. Na residência de Corrêa Costa, foram encontrados R$ 80,5 mil em espécie, “supostamente produto dos crimes denunciados, guardados em um envelope, dentro de uma gaveta”.

Na casa do secretário Zanella, houve a apreensão de R$ 74,5 mil que estavam escondidos em um fundo falso em uma gaveta de cômoda, no quarto do denunciado.

De acordo com a denúncia do MPSC, houve recebimento mensal R$ 5 mil durante 15 meses pelos dois réus, com o primeiro pagamento em janeiro de 2021 e o último em março de 2022, relevando que Corrêa Costa e Zanella “receberam, em tese, em pelo menos seis oportunidades, o montante total de R$ 75 mil”.

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