SC debate regra polêmica para casos de estupro de vítimas menores de idade

Um Projeto de Lei (PL) que defende que médicos peritos homens possam examinar vítimas de estupro menores de idade deve ser votado nesta semana na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. O PL alteraria uma parte da legislação atual — que especifica que apenas médicas peritos mulheres podem atuar nesses casos — e tenta resolver um problema que o Estado enfrenta: o baixo número de profissionais do sexo feminino, que atendam os requisitos da lei.

Cerca de 75,5% das vítimas de estupro são vulneráveis, ou seja, tem entre 0 e 13 anos de idade – Foto: Pixabay/Divulgação/ND

O Estado possui à disposição apenas 15 médicas peritos, que, segundo a legislação catarinense, são as profissionais que podem coletar materiais para produzir provas em caso de estupro.

Quando foi aprovada, em 2021, essa regra chegou a ser alterada pelo então governador Carlos Moisés, que sancionou a lei alterando-a para que as vítimas fossem “preferencialmente” atendidas por médicas. No entanto, a Alesc derrubou a alteração.

No mesmo ano, o deputado Nilso Berlanda (PL) criou o Projeto de Lei 62/2021, que busca novamente mudar a regra. No início de abril, o PL foi aprovado por unanimidade pela  Comissão de Defesa da Criança e do Adolescente.

Especialistas discutem impacto do projeto de lei

A questão divide opiniões entre autoridades e especialistas. O promotor de justiça Alexandre Carrinho Muniz explica por que o baixo número de profissionais mulheres representa um obstáculo à legislação atual.

“Principalmente para aquelas comarcas com estrutura pequena, onde não haveria a médica perita e ficaria inviável o exame. E sem provas nem se denuncia o crime”, pontua.

Cerca de 75,5% das vítimas de estupro são vulneráveis, ou seja, tem entre 0 e 13 anos de idade. Do total de alvos da violência, 88% são mulheres. As informações são do Anuário de Segurança Pública de 2022. Conforme o levantamento, 79,6% dos autores do crime eram conhecidos da vítima, principalmente familiares.

Já o estudo sobre a Prevalência de Estupro no Brasil publicado no início de março pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), destaca que maior parte dos autores do crime são homens:

Segundo Ana Carolina Maurício, psicóloga e doutoranda em psicologia na área de gênero e violências, a perícia feita por um médico homem aumenta as chances de revitimização no caso de estupro, ou seja, uma nova exposição da vítima a uma situação traumatizante. Ela explica que a discussão não deve ser atrelada à ética e capacidade do profissional, e sim, às vítimas.

“Quando eu falo em revitimização eu falo em: estarmos tocando em um corpo que foi violado, como vamos fazer isso? A gente vai colocar a mesma figura ou vamos buscar figuras neutras, que não vão acionar traumas, para que essa vítima tenha uma experiência que seja menos traumática no acesso à Justiça”, explica.

“Melhor a falta de provas do que revitimizar meninas”, diz promotor

O promotor de justiça destaca que, apesar de acreditar que o exame da perícia em casos de violência sexual não precise estar condicionado ao fato da profissional ser mulher, deve se evitar a revitimização.

“Eu acho que é muito melhor você perder uma causa por falta de prova do que você revitimizar as meninas. Realmente, se ela não se sente confortável em fazer um exame com um homem, não se faz o exame. É melhor do que querer levar para frente um processo às custas dessa dignidade que ela já perdeu”, fala Muniz.

No entanto, para a psicanalista e Terapeuta Sexual e Comportamental Cristiane Pereira, a revitimização pode acontecer a partir do momento que a vítima buscar a Justiça.

“A revitimização infelizmente ocorrerá a partir do momento que ela precisará reviver os fatos, trazendo à tona os sentimentos e revivendo o trauma”, pontua. “No entanto, acredito que o gênero do profissional a realizar o exame não seja tão importante quanto o preparo do mesmo para realizá-lo”, destaca.

Legislação pode oferecer alternativas para o problema

A delegada Patricia Zimmermann, que coordena as DPCAmis estaduais (Delegacias de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso), explica que, apesar de entender a preferência por profissionais mulheres, um protocolo rígido para os peritos homens poderia solucionar o problema.

“A gente poderia ter protocolos rígidos para esses médicos e trabalhar em parceria com a Rede Municipal de Saúde para ter a assistência de profissionais de saúde, ou uma assistência de ajudar o médico legista”, afirma.

Zimmermann explica que soluções para o problema na falta de profissionais enfrentam um entrave legal. No entanto, tanto a delegada quanto o promotor citam o primeiro parágrafo do Artigo 159 do Código Penal, que fala sobre as regras para exame de corpo de delito.

“Na falta de perito oficial, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”, fala o parágrafo.

Segundo Muniz, esse trecho da legislação permitiria, por exemplo, que o Governo de Santa Catarina criasse regulamentação que garantisse mais profissionais mulheres para a coleta de material em caso de estupro de menores de idade.

“Uma saída é a nomeação de duas pessoas que façam esse exame na falta de uma perito mulher disponível. Se em cada cidade tem duas médicas mulheres que podem fazer essa função, de realizar o exame na falta de um perito mulher, depende do Estado de fazer essa regulamentação”, propõe.

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