Abertura da temporada da tainha em Florianópolis celebra a cultura açoriana em cerimônia

A tradicional cerimônia de abertura da temporada de pesca da tainha em Florianópolis iniciou logo pela manhã, com os primeiros raios de um lindo amanhecer ensolarado. Com um farto banquete para dar início às celebrações, às 8h, a praia do Campeche contou com uma programação neste sábado (1°) que durou todo o dia. O evento foi promovido pelo IGMI (Instituto Getúlio Manoel Inácio) já conta com 16 edições.

Evento foi promovido pelo Instituto Getúlio Manoel Inácio – Foto: Leo Munhoz/ND

“Esse momento é bastante especial porque na verdade estamos dando continuidade a um trabalho que começou 16 anos atrás pelo meu pai, de uma maneira muito tímida, com uma pequena celebração. E com o passar do tempo, isso foi se tornando cada vez mais uma referência para a cidade e hoje é um grande evento que marca a abertura da safra da tainha”, explica Carla Inácio, coordenadora do Instituto e filha do saudoso Getúlio Manoel Inácio.

Getúlio era um dos principais representantes da pesca artesanal de Santa Catarina. Engajado, brigou muito pela valorização da cultura local e pela sua comunidade. Foi o fundador da Associação dos Pescadores Artesanais do Campeche e mentor da Missa Campal, realizada todos os anos, desde 2004, na abertura da safra da tainha.

“Quando falamos da pesca artesanal, sempre associamos a tradição, cultura e fé. Isso tá muito conectado com o que somos aqui na nossa cidade. Para nós é uma emoção e realização ter um evento que começa no dia do trabalhador. E seguimos com um movimento de fé com uma procissão, seguida da missa e bênção aos pescadores e embarcações. O objetivo é justamente buscar a proteção e torcer para que a pesca da tainha seja muito promissora e que tenha muito êxito”, conta Carla.

A procissão iniciou esse movimento de fé da comunidade na manhã da segunda-feira. Toda música, que acompanhou a procissão, com tambores, trompetes, entre outros instrumentos, foi tocada por alunos do projeto de música do Rancho da Canoa.

O coordenador do Instituto e genro de seu Getúlio, Ivanir Aroldo Faustino, explica que o sogro criou o projeto de música há 13 anos e segue até hoje. “Desde às 5h já estávamos aqui para deixar tudo preparado, com esse banquete para comunidade, além de todos os outros preparativos do evento, que foram pensados seis meses antes”, revela Faustino.

Ivanir Aroldo Faustino e família – Foto: Leo Munhoz/ND

Em seguida, ocorreu a missa que juntou centenas de pessoas nas areias do Campeche, em frente ao rancho de pesca do seu Getúlio, o mais tradicional do bairro. A cerimônia foi ministrada pelo padre Bertrand De Vetter, da comunidade do Campeche.

Para o padre, a missa é muito importante para toda a comunidade. “Essas celebrações começaram a partir do seu Getúlio, que sentia a necessidade de invocar a presença de Deus sobre o mar, os pescadores e as pessoas que estão envolvidas na pesca da tainha”, manifesta. “Quero louvar e agradecer a Deus e pedir para que a safra seja bem bonita e a pesca seja milagrosa”, pede De Vetter.

Roseli Zanoni é cuidadora de idosos e mora no bairro do Campeche há mais de 20 anos. Ela acompanhou a missa e conta que, sempre que pode, gosta de estar presente na cerimônia de abertura. “Esse momento transmite uma energia muito boa, de união entre as pessoas, de ver que todo mundo se torna um em busca de um único objetivo”, relata emocionada.

Tradição que movimenta a cultura e a economia da Ilha

As rendeiras representando a cultura açoriana – Foto: Leo Munhoz/ND

Conforme a portaria do MPA (Ministério da Pesca e Aquicultura) e MMA (Ministério do Meio Ambiente), a safra da tainha é aberta no dia 1º de maio e vai até 31 de julho. Na temporada de 2022, segundo a Prefeitura Municipal de Florianópolis, foram 144.727 tainhas pescadas nos mares das praias da Capital.

A safra da tainha é uma tradição que se renova ano após ano. No Campeche, desde 2019, a pesca artesanal da tainha é considerada um patrimônio cultural do Estado. É um legado que faz parte da memória afetiva de muitas famílias, que movimenta o turismo e aquece diversos setores.

O patrão do rancho de seu Getúlio, Adir Plácido Viganigo, declara que os trabalhos para a temporada de 2023 já iniciaram no ano passado, assim que a última safra terminou: “Já no começo de agosto fizemos a manutenção dos barcos e recuperação da rede e, em fevereiro, intensificamos os trabalhos. Há uma semana, deixamos tudo pronto para o dia de hoje e para os próximos dias de safra.”

Viganigo exala confiança e espera por uma pesca positiva neste ano. “A expectativa é boa. A gente sempre torce que seja uma boa safra e com segurança para todos os pescadores do litoral catarinense”, expõe.

Ele conta que, somente no racho do seu Getúlio, são cerca de 45 a 50 pescadores envolvidos diretamente com a temporada. E este ano há uma novidade: a participação das mulheres na pesca da tainha.

“Nós temos a grata satisfação de incluí-las. Isso porque existem três escolas de remo que as treinam, oferecendo a oportunidade para que participem efetivamente da pesca, rompendo uma tradição centenária de ambiente puramente masculino”, revela Viganigo.

O patrão do rancho destaca que “isso é muito importante porque as famílias de uma maneira geral vão começar a frequentar a praia. E queremos que as mulheres atuem nesta tradição, não só os homens, afinal, há espaço para todos”.

As rendeiras também estavam presentes no evento, vendendo o artesanato e representando a cultura açoriana. A rendeira Ana Maria comenta a relação delas com a tradição pesqueira.

“A renda foi trazida pelos açorianos de Portugal e eles tinham muito conhecimento da cultura da pesca. Então, juntou as esposas, que eram rendeiras, com os pescadores. Enquanto eles iam pescar, as mulheres trabalhavam, gerando um dinheiro extra para a família”, explica.

Safra da tainha teve cota reduzida e pesca industrial proibida

A safra da tainha é aberta no dia 1º de maio e vai até 31 de julho – Foto: Leo Munhoz/ND

A pesca industrial da tainha está proibida nesta temporada de 2023, após uma publicação no DOU (Diário Oficial da União). A decisão, inédita no Brasil, foi tomada pelo MPA e MMA. Além disso, a cota de captura para a pesca artesanal, ou emalhe anilhado, foi definida para 460 toneladas.

Segundo Viganigo, a pesca industrial influencia na pesca artesanal. “A presença da pesca industrial provoca o direcionamento dos cardumes mais para a beira, facilitando a pesca artesanal”. Ele conta que com essa proibição, fica difícil saber como os peixes vão se comportar. “Pode ser positivo e pode ser negativo, então será uma safra diferente de todos os anos”.

A presidente da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes, Roseli Pereira, estava no evento representando a prefeitura. Ela relata que o prefeito Topázio Neto (PSD) está “reavaliando a decisão, juntamente com os ranchos dos pescadores e as próprias associações dos pescadores, para encaminhar o processo da melhor forma possível, para que isso não afete a pesca artesanal”.

Regras durante a pesca

Vale lembrar que neste período de pesca, o surf fica permitido somente na praia da Joaquina e na praia Mole. Na Lagoinha do Leste, praia do Matadeiro e praia da Armação, é permitido em até 500 metros do canto esquerdo da praia e até 500 metros para a direita da entrada da praia do Moçambique.

O restante das praias deverão utilizar o sistema de bandeiras, a serem instaladas diariamente pelos responsáveis pelos ranchos de pescas, nas cores verde e vermelha, indicando, respectivamente, a permissão ou proibição da prática de surf durante o período de pesca da tainha.

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