“Lestadas” que atingiram SC são fenômenos únicos e locais, explica professor da UFSC

Fenômeno transbordou laguinho no Campus de Florianópolis da UFSC. Foto: Caetano Machado/Agecom/UFSC

Chuvas fortes e intensas, com valores acima de 200 mm, passando de 350 mm em algumas regiões, num período de poucas horas. O fenômeno meteorológico que assustou os catarinenses de algumas regiões do Litoral no dia 16 de janeiro trouxe, em um único dia, quase o dobro da média de chuva esperada para janeiro. As Lestadas são chuvas orográficas,  quando o ar úmido é forçado a subir ao encontrar barreiras naturais. O fenômeno local é estudado pelo professor Reinaldo Haas, do departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina.

“O vento sopra de leste e encontra as montanhas. O ar úmido é forçado a subir devido à presença de uma barreira montanhosa. Ao subir, ele esfria e a umidade se condensa, resultando em chuva. Esse tipo de precipitação é típico em regiões montanhosas e pode produzir garoas, chuvas fortes, granizo e ter uma duração prolongada, como é o caso das Lestadas em Santa Catarina. Nesse caso a ela dura três ou mais dias”.

Ele conta que as Lestadas têm sido descritas em jornais, livros e peças de teatro desde o século XVIII. “Na literatura e nos jornais desse período, encontramos boas descrições das enchentes subsequentes, naufrágios, fechamento de barras de rios e acidentes aéreos associados a esses fenômenos. Podemos dizer que as Lestadas estão no nosso DNA cultural”, conta.

No caso das fortes chuvas que provocaram estragos em cidades do litoral catarinense, Haas explica que, no dia 16 de janeiro, houve a formação de uma “baixa fria”, que gerou um jato de baixos níveis que é chamado de esteira transportadora de umidade. Esse fenômeno se associou com um Sistema Convectivo que normalmente se forma no verão no Sudeste do Brasil.

Conforme o professor, as Lestadas são formadas por nuvens muito baixas para serem corretamente captadas por satélites e radares e pelos atuais modelos numéricos. “Isso faz com que a previsão dessas ocorrências seja difícil com os métodos atualmente disponíveis”. Ainda de acordo com ele, para melhorar a identificação e previsão das Lestadas seria necessário investir em modelos numéricos de altíssima resolução que possam considerar corretamente o relevo.

“Além disso, é essencial aumentar a divulgação de informações e o treinamento de meteorologistas, capacitando-os para identificar e prever esses fenômenos com maior precisão. Portanto, os modelos numéricos futuramente podem ser nossas melhores ferramentas para esse propósito, e com um maior investimento na previsão de alta resolução e treinamento contínuo, será possível melhorar significativamente a identificação e mitigação dos efeitos das Lestadas”, comenta.

Terríveis Lestadas e Toró

Além das Lestadas, Santa Catarina também teve inúmeros episódios das “Terríveis Lestadas”, os fenômenos mais mortais do litoral de Santa Catarina. “Entre os eventos que podem ser caracterizados como Terríveis Lestadas, estão a grande enchente de 1838 a de 1880 e a enchente de Tubarão em 1973. Algumas das mais fortes Lestadas ocorreram no Natal de 1995, em 2008 e em maio de 2017”, afirma.

Estes fenômenos também são típicos de Santa Catarina e podem durar semanas inteiras, justamente porque são construídos na circulação planetária. “Mas elas não seriam terríveis se não fosse o formato do relevo abrupto, além de que os seus vales longos e encaixados tornam as enchentes mais intensas”, reforça Haas.

O professor também tem estudado o fenômeno chamado de “toró”, fenômenos que ocorrem frequentemente durante chuvas intensas e não estão necessariamente associados a Lestadas, embora também possam ocorrer nestas circunstâncias.

Segundo o pesquisador, a característica definidora do toró é o som que se assemelha a um trovão, porém com um final mais estridente. “Eles são mencionados em todas as descrições e relatos das Lestadas na literatura. Além dos sons e cicatrizes no terreno que evidenciam sua presença. Os torós ocorrem aproximadamente nos mesmos lugares, onde costuma haver riachos”.

Ele explica que os torós até agora são apenas uma ‘hipótese’. “Sabemos que precisamos de registros definitivos, com fotos e gravação dos sons e possíveis terremotos superficiais. É essencial que outros cientistas verifiquem essas observações de forma independente para confirmar a veracidade desses fenômenos”.

A enchente de 2024 ocorrida no Rio Grande do Sul, por exemplo, teve um registro de mais de 13 mil torós. “Os torós estão sempre associados com as enchentes “cabeça de água” e a muitos detritos. Historicamente, vemos que o que tornou os eventos de 1880 e a enchente de Tubarão de 1973 tão mortais foram a abrupta elevação dos níveis dos rios, resultando em muitos afogamentos”, pontua.

O pesquisador propôs este como um novo modelo conceitual de evento climático para caracterizar episódios envolvendo uma grande quantidade de água e granizo, cerca de 10 metros cúbicos, caindo em um intervalo curto, de 20 segundos a 1 minuto, podendo atingir até 10.000 milímetros por minuto. Ele ocorre em regiões próximas a montanhas, produzindo ventos fortes, destruição de árvores e casas, e deixando marcas e cicatrizes lineares na vegetação.

Saiba mais sobre os torós

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