Morcegos, bugios e capivaras ampliam lista oficial de espécies da Ilha de Santa Catarina

 

A Ilha de Santa Catarina “ganhou” oficialmente 34 espécies novas de mamíferos – revelando os efeitos da regeneração ambiental e também o sucesso adaptativo de espécies exóticas invasoras. Duas décadas após a primeira listagem, artigo atualizou os registros, elevando o número de mamíferos nativos do local de 25 para 59, com destaque para os morcegos. Conduzida entre 2017 e 2022, a pesquisa reforça a importância de políticas públicas, atuação de órgãos ambientais e estratégias de manejo para a preservação da biodiversidade insular.

A atualização foi feita com armadilhas fotográficas, armadilhas de captura viva e redes de neblina, que permitiram registrar mamíferos de médio e de grande porte, pequenos mamíferos, além de morcegos. Entre as 59 espécies identificadas, 27 são espécies de morcegos antes subnotificados, motivo do grande aumento no número de espécies da ilha, enquanto oito foram consideradas extintas localmente, como a onça-pintada (Panthera onca) e a anta (Tapirus terrestris).

“Tivemos uma recuperação desses ambientes [florestais], o que possibilitou o aumento das populações dessas espécies ou sua recolonização ou reintrodução. Antigamente, talvez não tivessem sido registradas, mas agora foram”, explica Barbara Lima Silva, bióloga mestranda em Ecologia Aplicada na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e uma das autoras de artigo publicado no periódico International Journal for Zoology.

A regeneração florestal na ilha, onde a cobertura vegetal recuperou-se mais rapidamente do que no restante do bioma Mata Atlântica, foi impulsionada por mudanças socioeconômicas e no uso do solo com as leis de proteção ambiental. Atualmente, a floresta cobre cerca de 39% do território insular. Esse processo é animador para perspectivas futuras, mas o passado da ilha deixou sua marca na realidade atual. Onças-pintadas, onças-pardas e outros felinos que lá viviam sumiram.

Mulher clara com cabelo cacheado preso, sorrindo, com uma mata ao fundo

Barbara Lima Silva – Foto: Arquivo Pessoal

“Todos [os felinos] desapareceram, principalmente devido à supressão da vegetação nativa, que foi reduzida em torno de 70% até o final da década de 1970, somado à pressão de caça e perseguição aos animais”

Apesar dos avanços, a reintrodução de espécies extintas localmente continua sendo uma questão complexa. Iniciativas como o Projeto Fauna Floripa têm promovido esforços em dar suporte para reintrodução e avanços em políticas públicas, como a reintrodução do bugio-ruivo (Alouatta guariba clamitans) realizada em conjunto com o Instituto Fauna Brasil. Os bugios são uma peça-chave no ecossistema, especialmente por sua contribuição na dispersão de sementes, e sua reintrodução tem sido notada pela população da ilha.

Outra espécie que voltou a ocorrer no local é a famosa capivara, um animal terrestre habituado a nadar, já avistado atravessando o canal até a ilha. Nove espécies exóticas invasoras e domésticas também foram identificadas dentro de áreas protegidas, incluindo cães e saguis (Callithrix penicillata).

Foto de um pequeno pedaço de floresta com um enquadramento de um quati com a mata o cobrindo

Armadilhas fotográficas registraram espécies locais que resistem em meio as alterações insulares, como o quati – Foto: Reprodução / Arquivo do Fauna Floripa

Conservação e coletividade

A participação da comunidade local tem sido fundamental para o sucesso de estudos e ações de conservação. Segundo a bióloga, o envolvimento dos moradores da ilha tem permitido uma troca de conhecimentos valiosos. “Conseguimos entender melhor a dinâmica do ecossistema da ilha. Foi essencial ter esse contato”, afirma.

A colaboração com os moradores foi natural, pois muitos moram no entorno das unidades de conservação, além de alguns locais participarem do Projeto Fauna Floripa ou serem gestores de órgãos ambientais. Essa participação tem papel central para registrar avistamentos de animais por identificar áreas específicas de ocorrência para posicionamento das câmeras em uma região insular de grande extensão. 

Em outro caso, com as capivaras, a pedido do Ministério Público com as instituições de proteção do meio ambiente, a Fundação Municipal do Meia Ambiente (Floram) e o Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina solicitaram estudos para avaliar a presença do animal na Ilha, especialmente relacionados aos atropelamentos, que vêm se tornado cada vez mais comum na cidade. Essa colaboração prevê ações de manejo e conservação em casos específicos. Para isso, os pesquisadores utilizaram a Ciência Cidadã, em que a comunidade informa os pesquisadores sobre a presença da espécie, permitindo a análise dos dados para a investigação científica em andamento.

Foto de uma capivara de pequeno porte atrás do tronco de uma árvore em local de mata

O reaparecimento de capivaras na ilha veio associado a atropelamentos dos animais – Foto: Reprodução/Arquivo do Fauna Floripa

“Conversávamos com os filhos e netos dos moradores, e podíamos ver o brilho nos olhos das crianças, impressionadas por saberem que aqueles animais estavam tão próximos. Isso ajudou a criar uma conexão, mostrando que a natureza e os seres humanos estão conectados e que precisamos uns dos outros para coexistir”, diz Barbara. Para ela, esses relatos demonstram que a participação local vai além da coleta de dados. Ela cria um vínculo com a natureza e torna a comunidade parceira na proteção da biodiversidade.

Ilhas como laboratórios de fauna e flora

Por sua natureza isolada, as ilhas oferecem condições únicas para estudos de biodiversidade e conservação, funcionando como verdadeiros laboratórios naturais. Para o biólogo Maurício Graipel, coautor do artigo e pesquisador na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), essa característica torna a Ilha de Santa Catarina um local ideal para observar a recuperação de espécies e os impactos das intervenções humanas. “Esse isolamento mostra os processos observados no continente que não ocorreram na ilha, como a falta de recrutamento ou entrada de indivíduos e espécies que foram perdidas”, afirma.

O pesquisador também ressalta que a condição insular “é muito interessante, pois essas informações nos ajudam a entender o que muitas vezes não conseguimos no continente. O processo é contínuo, mas foi interrompido não só pelo isolamento da ilha, mas também pela ocupação do litoral no continente próximo”. Para coletar essas informações, é necessário que haja um monitoramento a longo prazo da ilha e das espécies reintroduzidas.

“É muito importante que pensemos em monitoramentos contínuos para entender melhor como ocorre o processo de recuperação no continente, levando em conta as características de cada área estudada”, diz Graipel. Com esse monitoramento, viabilizar uma recuperação ambiental se torna mais rápido. “Hoje, geramos hipóteses que precisam ser testadas. Com um monitoramento constante que realizamos, saberemos muito mais sobre o processo”, continua.

Foto de homem branco com cabelos grisalhos, de óculos, em uma região de mata

Maurício Graipel – Foto: Arquivo Pessoal

“Se tivermos mais indivíduos chegando, a população pode crescer. O som alto do bugio pode atrair outros e, com o tempo, a recolonização é possível”

A exemplo, recentemente foi visto um bugio atravessando o canal para chegar à ilha. Ele estava quase lá, mas foi capturado por um pescador. Apesar da possibilidade de recolonização, as chances são baixas a curto prazo.

Macaco-prego no chão de uma floresta. Foto em preto e branco

Além das fotos das armadilhas, o trabalho de monitoramento é atualizado em dinâmicas para se tornar contínuo na ilha – Foto: Reprodução / Arquivo do Fauna Floripa

A reintrodução de felinos é mencionada pelo pesquisador como um desejo pessoal, mas ainda distante para espécies de grande porte como a onça-pintada. Apesar disso, a reintrodução de gatos silvestres parece um bom começo para os pesquisadores, levando também a um controle de populações invasoras como o mico do Cerrado achado na Mata Atlântica, o mico-estrela. “Para isso, precisamos participar ativamente do processo, recuperando áreas, criando unidades de conservação e orientando a população para que compreenda e contribua com essa recuperação. É também importante a parceria como a nossa, da Universidade com órgãos ambientais, para o suporte científico das ações de conservação ”, diz o pesquisador.

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