‘Dor enlouquecedora’: pacientes de clínica interditada em Florianópolis contam experiências

Clientes atendidas na Hof Clinic, do empresário Anderson Silva, afirmam que experimentaram episódios de dor intensa em procedimentos estéticos realizados na rede, assim como o uso de um urso de pelúcia para “confortá-las” no momento do atendimento, além da falta de nota fiscal. A clínica foi interditada nesta quinta-feira (4), na Avenida Beira-Mar Norte, em Florianópolis.

clientes de clínica de estética interditada relatam atendimento

Local foi interditado na manhã desta quinta-feira (4) pelo Procon de Florianópolis – Foto: Reprodução/Google Street View/ND

De acordo com o proprietário, que realiza procedimentos estéticos, o local não foi interditado, mas suspenso, e não há irregularidades na unidade.

O que dizem as pacientes da clínica

As quatro mulheres ouvidas pelo ND+ preferiram manter o anonimato. Todas relatam ter comprado pacotes em valores promocionais oferecidos pela Hof Clinic, mas não receberam nota fiscal ou recibo pelos procedimentos estéticos.

Uma das clientes, que já havia aplicado o botox (toxina botulínica) em outros estabelecimentos, conta que estranhou a falta de anamnese — uma entrevista com o paciente antes do procedimento — e também a maneira como as seringas utilizadas para a aplicação da substância estavam no local. Ela foi atendida por uma funcionária da equipe de Anderson Silva.

“Quando eu cheguei já tinham várias seringas prontas, estranhei porque eles geralmente abrem [a ampola com a substância] na tua frente. Ela me deu ursinho na mão, ela não fez nenhuma pergunta nem assepsia no meu rosto, nada.”

O urso de pelúcia se repetiu com outras duas mulheres ouvidas pela reportagem que aplicaram botox na clínica. Segundo uma delas, a pelúcia era dada para segurarem durante o procedimento, que era seguido de dores excruciantes:

“Chegamos lá e achamos bem estranho não terem feito anestesia. Quando aplicaram o botox doeu muito. Nunca senti tanta dor.”

Dor intensa durante e após procedimentos

A dor sentida durante e após as intervenções estéticas foi citada pelas quatro mulheres. Uma delas, que comprou um pacote para um ano de procedimentos na testa e na boca e foi atendida por Silva, descreve a dor no momento e nas horas seguintes à aplicação.

“Muita dor, muita dor e ardência, uma dor enlouquecedora. A última vez foi insuportável, naquela noite eu lembro que eu não dormi”, relembra.

Outra cliente, que foi com uma amiga, fez a primeira aplicação na unidade da clínica em Balneário Camboriú e dois retoques na matriz, localizada em Florianópolis. A cliente descreveu como ficou, momentos após os procedimentos, nas duas unidades:

“Eu e ela saímos de lá com uma dor imensa e ficou cheio de caroço na testa, bolas, como se fossem hematomas, parecia um galo na cabeça. Ficou uma semana aquele inchaço, tu apertava e sentia o líquido, sentia algo ali dentro. A dor, por pelo menos três dias, foi insuportável.”

As amigas chegaram a questionar a formação dos profissionais que fizeram as aplicações, mas foram ignoradas. As pacientes também reclamaram das dores e questionaram sobre a anestesia, mas a equipe informou que “era só uma picadinha”.

Vigilância Sanitária aponta uso de produtos adulterados

A Hof Clinic da Avenida Beira-Mar Norte, em Florianópolis, foi fechada pelo Procon da cidade nesta quinta-feira (4). O órgão aponta uma série de irregularidades, e produtos adulterados foram apreendidos após “inúmeras reclamações de clientes que se sentiram lesados”, destaca o Procon.

A primeira denúncia, recebida pela Vigilância Sanitária do município, foi sobre adulteração de seringas de aplicação para procedimento de harmonização facial. O órgão fez então uma primeira ação no local, em abril, notificou o espaço e descobriu produtos que pareciam adulterados, mas ainda sem comprovação.

Uma segunda visita foi feita pelos fiscais já em 19 de abril, quando os profissionais da Vigilância foram hostilizados e quase impedidos de entrar. Na ocasião foram apreendidos os mesmos produtos encontrados na primeira visita, escondidos nos fundos da clínica dentro de sacos de lixo.

Segundo a Vigilância, foram 43 caixas apreendidas com produtos adulterados. Dentre elas, 36 caixas com duas seringas cada e sete caixas com uma seringa, além de 20 medicamentos manipulados.

A suspensão desta quinta-feira, que integra a Operação Beleza Segura BTX, foi determinada em processo administrativo do Procon, solicitado pela 29ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital.

Segundo o MPSC (Ministério Público de Santa Catarina), a suspensão das atividades da clínica ocorre por tempo indeterminado, sob pena de multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento.

O que um dentista pode realizar

A resolução nº 198/2019, do CFO (Conselho Federal de Odontologia), reconhece a harmonização orofacial como especialidade odontológica, ou seja, autoriza o cirurgião-dentista a realizar procedimentos para proporcionar o equilíbrio estético e funcional da face.

Entre as autorizações, está o uso de botox e preenchedores faciais.

No entanto, há procedimentos estéticos e cirúrgicos que não são permitidos aos cirurgiões-dentistas. Em 2021, o CRM-SC (Conselho Regional de Medicina) e o CRO-SC (Conselho Regional de Odontologia) ganharam uma liminar contra Anderson Silva, que exercia ilegalmente a medicina.

Os órgãos afirmam que o dentista realizava rinoplastia, procedimento popularmente conhecido como “cirurgia plástica do nariz”, ação restrita a médicos e vedado expressamente pela Resolução do CFO nº 230/2020.

Silva, porém, afirma que realiza rinomodelação, procedimento não-cirúrgico com ácido hialurônico.

A presidente da CRO/SC, Sandra Silvestre, esclarece que o uso da anestesia não é obrigatório, mas conversado entre paciente e profissional. Ainda segundo a presidente do conselho, as dores dos procedimentos variam e é um processo muito subjetivo. “Às vezes pega um vasinho. São riscos que a gente corre durante um procedimento”, diz.

Em relação à abertura dos produtos e seringas, a recomendação é que seja realizada na frente do paciente.

Contraponto

Em entrevista à repórter Daniela Ceccon, da NDTV, Anderson Silva disse que não há irregularidades na clínica, e que não foi informado oficialmente sobre nenhuma das acusações.

“O que o Procon nos pediu foi a nota fiscal das caixas que foram encontradas, as notas fiscais foram apresentadas. Não tem nenhum produto dentro da minha empresa sem nota fiscal, então eu faço questão sempre de deixar as portas abertas. Infelizmente, não entregam nenhum documento com informações para que a gente possa se defender”, fala.

Segundo o profissional, a única irregularidade no local foi o descarte de algumas gases sujas de sangue descartadas em lixo comum. “Esse processo já foi adequado. Somos uma empresa que faz 150 atendimentos ao dia. Com toda a certeza esse mundaréu de acusações não acontece”, finalizou.

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