Entenda o pedido do MP sobre a abordagem de pessoas em situação de rua em Balneário Camboriú

Uma ação do MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) quer um pedido liminar para suspender imediatamente a condução forçada de pessoas em situação de rua pela GM (Guarda Municipal) de Balneário Camboriú para a Clínica Social da cidade do Litoral Norte de Santa Catarina.

Abordagem social a pessoas em situação de rua em Balneário Camboriú

MP questiona abordagem a pessoas em situação de rua em Balneário Camboriú e sugere mudanças – Foto: Lucas Lages Vendramel/Prefeitura de Balneário Camboriú/ND

A ação também busca adequar e estruturar os serviços de abordagem social. Segundo o MP, o pedido liminar foi ajuizado após a apuração de denúncias sobre a condução forçada de pessoas em situação de rua de volta para a cidade de origem. As pessoas eram abordadas pela GM e conduzidas à força, inclusive com algemas, para “acolhimento” e avaliação no período noturno/madrugada na chamada “Clínica Social”.

Para o promotor Alvaro Pereira Oliveira Melo, a política de condução forçada das pessoas extrapola a Lei e a Constituição e tem “concepção preconceituosa”, já que o uso de agentes armados tem como alvo apenas pessoas em situação de miséria.

Horário da abordagem a pessoas em situação de rua é questionado

O promotor ainda questiona o funcionamento da Clínica Social apenas à noite, “horário totalmente inapropriado”, em que outros equipamentos públicos para encaminhamentos não estão disponíveis. “Os usuários são conduzidos coercitivamente permanecendo presos, durante a madrugada, sob a custódia armada de agentes públicos, na nítida tentativa de promoção de uma espécie de limpeza social”, avalia.

Atualmente, agentes armados atuam na abordagem e condução a pessoas em situação de rua em Balneário Camboriú – Foto: Reprodução/GMBC

Mudanças na abordagem

A ação cita que o Município deve implementar e fomentar essas políticas com uma abordagem técnica, envolvendo médicos psiquiatras e servidores qualificados. “Ao mesmo tempo em que o Município de Balneário Camboriú cria uma espécie de política pública paralela, os instrumentos oficiais de atendimento e atenção à saúde mental direcionado não só às pessoas em situação de rua, mas a todos os munícipes – Ambulatório Psicossocial, CAPS AD e CAPS II – estão sucateados e sem estrutura mínima para a devida prestação eficiente do serviço público essencial“, informa.

Para o MP, a GM deve se restringir às atribuições da atividade, como, por exemplo, em caso de flagrante delito e abordagens de rotina para verificação de eventual existência de mandados de prisão em aberto, quando há existência de indicativos para isso, ou até para garantia da segurança dos servidores, sem que haja interferência no atendimento, e não para abordagem social e condução coercitiva.

Pedidos liminares

Os requerimentos feitos pelo MP na ação são:

  • A proibição do uso da Guarda Municipal Armada para realização de abordagens sociais às pessoas em situação de rua, devendo eventual atuação se restringir às atividades inerentes à segurança pública, em especial para segurança dos servidores, sem intervenção direta no atendimento, e nos casos de flagrante delito;
  • A proibição de conduzir coercitivamente pessoas em situação de rua para o espaço denominado “Clínica Social”, bem como para qualquer outra localidade (outros municípios), tudo sob pena de responsabilização pessoal dos agentes envolvidos;
  • A imediata adequação do serviço de abordagem social prestado pela Secretaria de Desenvolvimento e Inclusão Social, por meio da capacitação dos servidores, correção das situações de desvio de função, e estruturação das equipes nos termos da legislação vigente, a fim de que seja observado o número mínimo de agentes e a formação mínima necessária;
  • A obrigação de observar os direitos fundamentais das pessoas em situação de rua, em especial à autonomia de vontade e liberdade de ir e vir, A imediata desativação do espaço denominado “Clínica Social”, e a redistribuição dos atendimentos ali prestados aos equipamentos públicos intersetoriais já existentes (Casa de Passagem do Migrante, CAPS II e CAPS AD, Unidades de Saúde, CRAS e CREAS), nos termos das políticas públicas nacionais de assistência social e saúde.

Estes pedidos ainda não foram avaliados pelo Poder Judiciário.

Pessoa em situação de rua

Pessoas em situação de rua são encaminhadas à Clínica Social – Foto: Marcelo Cabral/Arquivo/Agência Brasil//ND

Para o Promotor de Justiça, o fato de determinados usuários estarem em situação de rua não dá o direito ao Poder Executivo de os forçar a permanecer ou deixar determinado local quando não há qualquer justificativa legal para tanto, como, por exemplo, os casos em que é verificada a prática de crime e/ou ofensa à ordem pública.

A situação de rua não serve, para o promotor, como indicação de dependência química que justifique medidas compulsórias, sem o acompanhamento ambulatorial, e sem embasamento prévio que não seja o estigma social.

“Limpeza social e estilo de vida”

Ainda para o promotor, Balneário Camboriú tem uma estratégia de “limpeza social” divulgada, amplificada pelo estilo de vida e reforçada pelo fato do município estar de portas abertas para pessoas de todo o Brasil; “menos para determinados grupos que possam manchar o cartão postal da cidade”, afirma o órgão.

O promotor ainda questiona a ausência de ações de segurança destinadas às pessoas abastadas financeiramente, enfrentando com o mesmo afinco o problema das drogas e álcool entre o público jovem privilegiado, com palestras, por exemplo.

“A ‘política pública’, nitidamente higienista, só não é um escândalo de proporções nacionais porque, infelizmente, a população, em sua grande maioria, ignora o fato de que os considerados ‘miseráveis’, que vivem nas ruas, também são sujeitos de direitos e como tais devem ser tratados. Pensamentos de desumanização e políticas inadequadas nesse sentido levam às verdadeiras desgraças, e a história assim nos mostra”, finaliza.

O que diz o município

Em nota, a prefeitura de Balneário Camboriú esclareceu pontos mencionados na ação do MP. Leia:

A Secretaria de Desenvolvimento e Inclusão Social da Prefeitura de Balneário Camboriú esclarece que:

1- A Clínica Social é uma estrutura montada para dar apoio e atendimento humanitário e de saúde 24 horas por dia aos moradores em situação de rua que aceitem este tipo de atendimento;

2- Não há até aqui nenhum boletim de ocorrência ou denúncia que tenha chegado à Secretaria de Inclusão Social que denote algum excesso cometido na Clínica ou por equipe de Abordagem Social;

3- A atuação da Guarda Municipal se dá em apoio às equipes de Abordagem Social e da saúde que trabalham à noite em função das denúncias feitas via 156 pela população, e em rondas;

4- A Clínica Social começou a funcionar em janeiro deste ano e conta com equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e agentes sociais;

5- De janeiro para cá já foram atendidos na Clínica Social 603 pessoas, sendo 560 homens e 43 mulheres. 274 pessoas tem família em Balneário Camboriú ou Camboriú, 85 retornaram às suas cidades de origem, 42 pessoas aceitaram internação para atendimento de dependência química, e 72 retornaram a municípios da região onde tem famílias. Em comparação ao mesmo período de 2022, houve redução de 25% de pessoas em situação de rua em BC.

6- Tão logo o Município receba a ação civil pública proposta pelo MP, irá apresentar os esclarecimentos.”

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