Conheça Bougainville, o atento observador das belezas da Ilha de Santa Catarina

Um dos mais ricos relatos sobre a Ilha de Santa Catarina durante o Brasil colonial foi deixado pelo oficial, navegador e escritor Louis-Antoine de Bougainville (1729-1811), que aqui passou em 1763 – há 260 anos, portanto. A caminho das ilhas Falkland (Malvinas), que desejava tornar uma colônia francesa, ele se deteve na região entre os dias 23 de novembro e 14 de dezembro.

Antoine Joseph Pernetty, capelão da viagem e responsável pelos registros escritos da expedição, fala do peixe-espada e da moreia, de ostras maiores que as da França, de papagaios e tucanos, de palmeiras, ananás e romãs, de limões e laranjas, de mandioca e plantas medicinais.

Louis-Antoine de Bougainville relatou sobre diversos aspectos da Ilha – Foto: Reprodução

Para os europeus, tudo era novidade, e a descrição de uma fruta que os brasileiros consideram comum dá a ideia da perplexidade dos viajantes diante de cada descoberta. “A banana tem quase duas polegadas de diâmetro”, diz o texto de Pernetty. “As duas exterminadas são em ponta arredondada e a forma é angular, mas com ângulos bem atenuados. A casca é lisa, macia, espessa um pouco mais do que a do figo e muito mais sólida. A polpa é de um branco amarelado, da consistência de um queijo novo bem gorduroso e cremoso, ou da manteiga recentemente batida”.

A riqueza de detalhes sobre plantas, frutas e animais demonstra o deslumbramento dos estrangeiros, e também a preocupação em levar aos europeus um fiel depoimento de tudo o que encontraram no novo mundo.

Ao descrever um papagaio que chamava a atenção pela plumagem e pelo tamanho, escreveu Pernetty: “Uma destas espécies tinha plumas do pescoço e do estômago de um vermelho curtido e mutável, misturado com um pouco de cinza”. Ele segue falando das cores da cabeça, da ponta das asas e da cauda, “de um bonito vermelho carmesim”. E, para arrematar, garantiu o autor do relato: a ave “falava muito bem o português e aprendia facilmente o francês”.

Contemporâneo de Napoleão 1º, Bougainville vinha com a fragata L’Aigle, que mandou construir por conta própria, e a corveta Le Sphinx, acompanhado de quase 170 homens. Nas semanas em que permaneceu na vila de Nossa Senhora do Desterro, antigo nome de Florianópolis, conheceu praias, matas, autoridades e os poucos moradores locais, porque a povoação era diminuta e formada, na maioria, por portugueses que haviam permanecido enquanto suas embarcações seguiam rumo ao Sul do continente.

Os relatos legados por Bougainville e seu auxiliar Pernetty podem ser encontrados, na íntegra, nos livros “Ilha de Santa Catarina – Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX”, compilado por Paulo Berger (EdUFSC, 2ª edição, 1984), e “Desterro – Ilha de Santa Catarina – Tomo I”, com pesquisa e organização de Gilberto Gerlach (edição do autor, 2010).

Preso pela Revolução Francesa, foi Bougainville nomeado senador e conde no fim da vida. Morreu em 1811, aos 82 anos, deixando quatro filhos. Um deles, Hyacinthe de Bougainville, também fez uma viagem ao redor do mundo, honrando a memória paterna.

Descrições do modo de vida no Desterro

Na abertura de seu estudo “História Natural da Ilha de Santa Catarina”, de 1801, lê-se: “Falta alguma coisa para que a Ilha de Santa Catarina seja uma morada encantada, como esta Ilha de Tinian [no arquipélago das Marianas do Norte, no Pacífico], de que fala o almirante Anson. Os leões, as panteras e os tigres predominam nas vastas florestas. O ar é insalubre; os homens estão, a despeito deles, num singular estado de inércia, e a natureza só contribui para consumir seus habitantes”.

Apesar do tom lúgubre do parágrafo anterior, o relato deixado por Bougainville e Pernetty é um delicioso passeio pela Ilha de dois séculos e meio atrás. O autor fala das cerca de 150 casas e faz uma descrição do elemento humano predominante na vila.

O tom é típico do europeu que desconhece a miscigenação já em curso no território. “Vê-se na Ilha de Santa Catarina homens de todo tipo de pele, do negro até o branco. Os mulatos são em maior número, geralmente feios, com um ar selvagem, como se fossem uma mistura de brasileiros com negros”, escreveu Pernetty.

“Andam descalços, cabeça descoberta e muito mal penteados; suas roupas consistem em uma camisa, uma calça e às vezes um casaco que jogam nas costas, à maneira dos espanhóis. Os que ganham mais utilizam um chapéu de forma muito alta, com abas de quase 10 polegadas abaixadas. (…) Ao invés do chapéu, alguns um capuz do mesmo tecido do casaco, onde está preso e serve para cobrir a cabeça, costume este que impede mesmo a seus amigos de serem reconhecidos”.

No entanto, a parte mais saborosa da narrativa se concentra no ambiente, nos produtos nativos e na exuberância das matas, rios e enseadas. Há um cuidadoso detalhamento de como as aves se reproduziam e da maneira como os habitantes cultivavam a terra e extraíam dela o seu sustento.

A planta que levou o nome do navegador

O navegador francês deu nome ao gênero botânico batizado de Bougainvillea, embora quem encontrou a espécie no Brasil, no século 18, foi Jeanne Baret, a primeira mulher a fazer uma circum-navegação do planeta, em missão que buscava novas espécies vegetais. Ela viajava disfarçada de homem, pois na época as mulheres não podiam embarcar em navios.

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