Veleiro ECO encontra vida em formação em meio à alta quantidade de plástico no Rio Itajaí

Equipe coletou entre entre 200 e 250 amostras ao longo da expedição

A verificação de um ambiente cheio de vida, repleto de seres microscópicos, de filhotes de peixes e outros animais, contrasta com a alarmante concentração de microplásticos encontrada no Rio Itajaí-Açu. A observação está entre os resultados preliminares da primeira expedição de pesquisa da equipe da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) a bordo do Veleiro ECO no âmbito do Projeto AtlantECO. O grupo, que passou nove dias embarcado, coletou entre 200 e 250 amostras ao longo do rio, foz e zona costeira. 

O Itajaí-Açu foi escolhido pelo seu papel ecológico e por ser o principal sistema fluvial da maior bacia hidrográfica de Santa Catarina, a Bacia Hidrográfica de Itajaí. Além disso, ele sofre fortes pressões antrópicas decorrentes de atividades ligadas ao desenvolvimento econômico, como o turismo, os agroquímicos das lavouras de arroz e as atividades portuárias, e, ainda, ao alto contingente populacional de seu entorno.

O estuário do rio também despertou o interesse dos pesquisadores. “Por serem locais de mistura de água doce dos rios rica em nutrientes com a água salgada do mar, os estuários são um dos ambientes mais produtivos do mundo. Essas zonas de transição entre os rios e os mares abrigam diversas formas de vida, sejam elas estritamente de água doce ou salgada, ou aquelas adaptadas aos dois modos de vida. Além disso, os estuários são espaços de investigação dos poluentes químicos e plásticos vindos do continente e escoados na zona costeira”, explica Érica Caroline Becker, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PPGECO) envolvida na expedição. 

Entre 28 de fevereiro e 8 de março, a equipe trabalhou em cinco estações de pesquisa, realizando cerca de 40 protocolos de amostragem por dia, ao longo de aproximadamente 12 horas de trabalho diárias. Em algumas estações o grupo coletou amostras tanto na maré vazante quanto na enchente. Durante a expedição, a tripulação contou com o apoio para atracar a embarcação na Marina de Itajaí

Agora, o material passa por estudos genéticos, taxonômicos e biogeoquímicos. As análises serão feitas pelos laboratórios de Crustáceos e Plâncton (LCP), de Oceanografia Química e Biogeoquímica Marinha, ambos da UFSC, e de Biodiversidade e Processos Microbianos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A expectativa é que os primeiros resultados estejam disponíveis até o fim do ano.

Mesmo antes da conclusão das análises, contudo, dois aspectos chamaram a atenção dos pesquisadores: se, por um lado, o estuário se revelou repleto de vida, por outro, é bastante preocupante a poluição causada por ações humanas. 

“As amostras das redes de plâncton vieram cheias de animais microscópicos, conhecidos como zooplâncton. Dentre eles, verificou-se uma grande variedade de larvas de crustáceos, moluscos e peixes, mostrando a importância da zona estuarina como berçário para a fase inicial do ciclo de vida de várias espécies. No entanto, o rio continha uma quantidade alarmante de microplásticos, minúsculas partículas que podem prejudicar peixes, pássaros e outros animais que os ingerem. Já as estações costeiras tinham muito menos microplásticos, provavelmente devido às correntes e ondas que os levam para longe da costa como também ao afundamento das partículas”, comenta Andrea Green Koettker, pesquisadora do PPGECO e chefe científica da expedição. 

Variáveis biológicas e biogeoquímicas também devem mostrar resultados diferentes do rio para a zona costeira, devido a características próprias de cada ecossistema, como os valores de salinidade, materiais em suspensão, entre outros.

Pesquisa deve mostrar diferenças nas variáveis biológicas e biogeoquímicas entre a água da zona costeira (à esquerda) e do rio (à direita). A coloração mais amarronzada do rio é explicada por sua profundidade. Por ser mais raso, o sedimento do fundo acaba se misturando por toda a coluna de água. Além disso, rios absorvem a descarga das chuvas, que levam grande quantidade de terra e material particulado. Já nos oceanos, onde a profundidade é maior, esse material afunda, e a água fica mais transparente

A pesquisa no Rio Itajaí foi a primeira de uma série de expedições previstas a bordo do Veleiro ECO ao longo da costa brasileira. Com essa etapa cumprida, a equipe se prepara para subir a costa brasileira com o objetivo de compreender o impacto dos rios no oceano, de Santa Catarina até o Rio Grande do Norte. O grupo tem pesquisas previstas para a foz do Rio Doce (ES) e do Rio Mucuri (BA) e para a zona estuarina dos rios Caravelas (BA), São Francisco (SE/AL) e Potengi (RN).

Década dos Oceanos e AtlantECO

A Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu a Década da Ciência Oceânica (2021-2030) para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, uma vez que os oceanos possuem um papel chave no equilíbrio do planeta. A Declaração de Belém, assinada em 2017 pela União Europeia, Brasil e África do Sul, reforçou o compromisso com essa medida, ao propor a intensa investigação do Oceano Atlântico, especialmente, o Atlântico Sul, que é um dos menos conhecidos do planeta, mas impacta e beneficia todo o ecossistema global.

A Declaração de Belém fomentou incentivos à pesquisa, à inovação e à capacitação, como a chamada Blue Growth, lançada pela União Europeia para apoiar o crescimento sustentável dos setores marinho e marítimo do Oceano Atlântico. Um dos programas contemplados é o Horizon 2020, do qual faz parte o AtlantECO, projeto realizado por 36 instituições de 11 países. 

O objetivo do AtlantECO é investigar as interações entre os micro-organismos marinhos e o oceano, a poluição por plásticos e a circulação oceânica no Atlântico Sul, entre as costas brasileira e africana. “Essa compreensão permitirá o reconhecimento de cenários climáticos futuros, da previsão de migração de espécies, da capacidade do oceano em capturar e armazenar CO2 atmosférico, do transporte e do impacto de poluentes, como o plástico, sobre os ecossistemas marinhos e de estratégias para que as atividades humanas contribuam para a saúde desses ecossistemas”, afirma a professora do Departamento de Ecologia e Zoologia e coordenadora do projeto na UFSC, Andrea Santarosa Freire.

No Brasil, o projeto é coordenado pelo professor Hugo Sarmento, da UFSCar, e também conta com a participação da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA).



Fotos: divulgação/Veleiro ECO

 

Camila Raposo/jornalista da Agecom/UFSC. 

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