Interdições e ‘colapso’ evidenciam abandono do Instituto de Psiquiatria em São José

“Corre o risco de colapsar”, afirma o diretor geral do IPQ (Instituto de Psiquiatria), Paulo Márcio Souza, sobre a estrutura comprometida do prédio, que já existe há 81 anos em São José, na Grande Florianópolis.

Voltado para os atendimentos psiquiátricos, o IPQ atende emergências 24h, todos os dias da semana, além das Unidades de Internação, que contam com 193 leitos.

São mais de 439 funcionários preparados para atender mais de 900 casos mensais. De abril de 2022 a março de 2023 foram 14.916 atendimentos.

Atualmente, o instituto está entre os seis hospitais da Grande Florianópolis elencados pela SES (Secretaria do Estado de Saúde) em situação estrutural crítica.

Com estrutura comprometida, espaço voltado para atividades artísticas, manuais e culturais vira um depósito – Foto: Carolina Monteiro/ND

A diretoria teve que, inclusive, interditar os espaços por conta dos graves problemas. São diversas rachaduras nas paredes e nos pilares de sustentação que “põe em risco todos que utilizam o espaço”, como aponta o relatório da SES.

Segundo a secretária Carmen Zanotto, a ideia do decreto em situação de emergência é justamente revelar o tamanho da precariedade presente na saúde pública catarinense.

O documento publicado no dia 28 de março prevê a realização de contratação de serviço, aquisição de itens de reparo e obra de ampliação de forma mais ágil.

A análise divulgada aponta como os pontos mais graves as rachaduras estruturais, caixas d’água de amianto, a falta de espaço de acolhimento de jovens e crianças, e o equipamento de nutrição sendo deteriorado a céu aberto. Além disso, ainda cita forros apodrecidos na parte interna da instituição.

As reformas emergenciais, que devem ser feitas dentro dos próximos seis meses, contemplam:

  • Adequação da Subestação, aterramento da rede elétrica e dos quadros de energia
  • Reparos na estrutura física e no forro do setor de Nutrição, 5° e 7° Enfermaria
  • Substituição das caixas d´água de amianto
  • Revitalização da fachada, telhados e humanização do espaços internos
  • Criação de um espaço acolhedor para os adolescentes de 15 até 18 anos

“Risco iminente”: paredes caindo colocam funcionários e pacientes do IPQ em perigo

O problema das fissuras se repete ao longo de paredes, vigas e pilares em outros ambientes. É o exemplo da sala de SAME (Serviço de Arquivo Médico e Estatístico).

O diretor do hospital relata que o ambiente já foi reformado em 2012 pela mesma ocorrência mas, cerca de dois anos atrás, o problema voltou a aparecer.

Ao longo dos diversos setores do IPQ, o cenário de grandes rachaduras nas paredes se repete
 - Jonata Machado/NDTV
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Ao longo dos diversos setores do IPQ, o cenário de grandes rachaduras nas paredes se repete
– Jonata Machado/NDTV

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Ao longo dos diversos setores do IPQ, o cenário de grandes rachaduras nas paredes se repete
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Ao longo dos diversos setores do IPQ, o cenário de grandes rachaduras nas paredes se repete
– Jonata Machado/NDTV

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Ao longo dos diversos setores do IPQ, o cenário de grandes rachaduras nas paredes se repete
– Jonata Machado/NDTV

“O encanamento do hospital é antigo, de 1941, só perde para o encanamento do Hospital Santa Teresa, que é um ano mais velho. E ele fica embaixo do prédio, então quando houve essa primeira reforma, foi porque havia um vazamento. Agora que o problema voltou, não sabemos dizer se foi algum erro na obra ou se esse vazamento voltou”, expõe.

Conforme Souza, normalmente as rachaduras decorrem desses vazamentos no solo, que costumam ser de água ou esgoto, resultando no afundamento da estrutura e acaba comprometendo todo o resto.

“Já passamos por este problema em outros espaços também, mas o pessoal conseguiu escavar e encontrou um cano estourado”, relata.

A equipe do hospital demonstrou estar preocupada com a situação. Um funcionário comentou que percebe que a parede “está cedendo cada vez mais”.

Para Souza, o sentimento é de preocupação pelos funcionários. “Parece ser um problema estrutural e a reforma precisa ser urgente porque corre o risco de cair. É um perigo para eles”.

Localização e tempo da edificação pode ser motivo para estrutura comprometida

O IPQ fica na Colônia Santana, em São José, próximo ao rio Imaruí, que deságua no litoral de Palhoça.

Inaugurado no dia 10 de novembro de 1941, Souza conta que o prédio possui características únicas daquele tempo, que diferem das atuais técnicas de construção.

“Na época, eles faziam uma fundação com uma espécie de ‘leito de pedras’ e construíram o prédio em cima disso, mesmo sem existir um projeto. Outro exemplo são os tijolos, que são maciços e foram colocados verticalmente e, hoje em dia, já se colocam horizontalmente. Os forros são de madeira e estão aqui desde a época da construção. Já até conseguimos substituir alguns por PVC porque tinha muito cupim e estavam comprometidos”.

O diretor também alega que a localização do instituto está em um solo ruim de se construir por conta do lençol freático, além do período de cheia do rio, que causa mudanças no terreno.

“Além do encanamento, o sistema de esgoto também é daquela época. Então, quando se soma tudo isso, fica difícil de saber onde e quando vai surgir o problema que causa essas rachaduras”, admite Souza.

Engenheiro vê sérios riscos na estrutura; não há manutenção

A equipe de reportagem consultou um especialista para entender qual é o real risco dessas rachaduras. Para o mestre em engenharia civil com ênfase em estruturas pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Victor Belafonte, a edificação está severamente comprometida.

“O risco é iminente, uma vez que qualquer usuário, especialmente quem não é da área, olha e fica com medo. E isso já é um critério normativo de que algo precisa ser feito. Não só porque está feio visualmente, mas porque pode comprometer a estabilidade global da estrutura, podendo levar à ruína”.

Belafonte informa que um prédio tão antigo precisa ter manutenção constante para evitar problemas como este.

“Hoje, quando fazemos um projeto estrutural temos que garantir a vida útil deste projeto de 50 anos. E há uma série de normas que determina de quanto em quanto tem que pintar, de quanto em quanto tempo tem que refazer o rejunte, trocar piso e tudo mais. Se tudo isso for feito corretamente, temos a garantia de que, em 50 anos, o projeto vai ter uma conservação sem grandes intervenções”, ressalta.

No entanto, o engenheiro explica que há 81 anos essas normas de manutenção não eram como as de agora, correndo o risco, inclusive, de não atenderem aos critérios normativos atuais.

“É difícil até dizer qual era a norma de 81 anos atrás. E se não houve essa manutenção, que hoje é caráter obrigatório, corre risco severo de danos”, enfatiza Belafonte.

A equipe questionou o diretor se, atualmente, há uma empresa contratada para manutenção do prédio e ele informou que não. “Depende do governo que está, de identificar o problema e mandar arrumar”, esclarece Souza.

Por fim, o mestre em estruturas ressalta a importância da visita de uma equipe técnica para identificar o problema que causa esses problemas estruturais do hospital.

“A edificação apresenta risco de acordo com o tipo de causa da rachadura. E a natureza dessa patologia (defeitos nas edificações) só dá para saber através de investigação com visitas in loco”, alega.

“A investigação precisa ser feita, inclusive, porque essas falhas trazem inseguranças para os pacientes”, finaliza.

Salas interditadas comprometem o tratamento dos pacientes

Quadros pintados por pacientes escondidos entre caixas e sujeiras em um ambiente que, há cerca de três anos, era voltado para atividades artísticas, manuais e culturais.

Esta ala do IPQ precisou ser interditada por problemas estruturais ainda mais graves do que os já apontados em outros espaços do hospital.

“Aqui já foi uma sala de atividades da enfermaria. Nós tínhamos cinema, biblioteca, tarefas com pinturas, bingo, modelagem, entre outros. Era deles, mas agora virou um depósito, que estamos eliminando aos poucos, mas precisou ser fechado”, conta Souza.

O que era um importante espaço de artes para os pacientes, virou um depósito em sala com estrutura comprometida - Jonata Machado/NDTV
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O que era um importante espaço de artes para os pacientes, virou um depósito em sala com estrutura comprometida – Jonata Machado/NDTV

Pinturas feitas por pacientes são consumidas por cupins em sala interditada - Jonata Machado/NDTV
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Pinturas feitas por pacientes são consumidas por cupins em sala interditada – Jonata Machado/NDTV

Ali, há várias pinturas tomadas por cupins, como por exemplo a imagem da Santa Ceia, feita por um paciente no ano de 2002.

Também tem resquícios de trabalhos manuais feitos com argila em uma estante no canto da sala.

Em meio a uma parede danificada pelas rachaduras, um pequeno quadro feito à mão de autor desconhecido dizia “nas sombras das saudades e em meio a solidão, na luz das verdades, clarear meu coração”.

A gerente de enfermagem do IPQ, Fabíola Peres, disse que as atividades foram remanejadas de maneira improvisada para outro local.

Segundo Fabíola, é fundamental que o espaço, que é muito maior, volte a funcionar. Ela conta que aprender artesanatos e ofícios serve, não somente para a recuperação dos pacientes, mas também para conseguirem ter alguma renda quando saírem de lá.

Em uma sala, ao lado da antiga ala de atividades recreativas, o cenário de abandono se repete.

Também há três anos, época em que o problema apareceu, havia a 1° enfermaria masculina, agora também interditada.

Diversos objetos obsoletos dividem espaço com paredes prejudicadas pelas rachaduras.

Algumas já tinham até buracos que davam para ver a luz do lado de fora. “Nós tivemos que improvisar em um espaço bem menor. E aqui, acabou virando um depósito também”, admite Souza.

Por enquanto, o que resta nestes espaços são somente as lembranças do que poderia ser, novamente, áreas de recuperação para os 254 pacientes internados no IPQ.

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