Problemas que podem virar solução: o futuro de 100 prédios abandonados em Florianópolis

Por alguns eles passam despercebidos, outros até os utilizam como ‘murais artísticos’, e tem também quem se pergunte “como é que foi parar nessa situação?”. Espalhados pelo Centro, diversos prédios abandonados em Florianópolis ou sem uso compõem a paisagem urbana.

Prédio do INSS, imóvel na Avenida Mauro Ramos está desocupado há duas décadas

Propriedade do INSS, imóvel na Avenida Mauro Ramos está desocupado há duas décadas – Foto: Anderson Coelho

Em uma cidade que passa por um ‘boom’ populacional, convive com o crescimento de pessoas em situação de rua e deixa a desejar na oferta de moradias populares, o que hoje é apenas alvo de vandalismo e proliferação de doenças pode se tornar uma grande solução.

Dois prédios abandonados em Florianópolis simbolizam a situação. Um está localizado na avenida Mauro Ramos, a poucos metros do Shopping Beiramar, em área nobre da cidade, desocupado há mais de 20 anos.

O imóvel é, pelo menos no papel, um depósito de propriedade do INSS, mas está travado em impasses jurídicos. A instituição lançou edital de permuta em fevereiro de 2024 para a ocupação do imóvel

Outro imóvel está na rua Bulcão Viana, próximo ao IEE (Instituto Estadual de Educação), que é de propriedade da União e está há mais de uma década sem utilização.

Segundo a DPU (Defensoria Pública da União), o imóvel está sem uso devido à burocracia e à autorização entre os diversos órgãos de controle. A última reforma na estrutura se deu ainda nos anos 1990.

Esses são apenas alguns dos casos que envolvem diversos entraves burocráticos e financeiros que causam, há anos, lentidão e falta de interesse nos processos. Mas alguns projetos governamentais e entidades públicas trabalham para reverter esse cenário.

Mais de 100 prédios abandonados em Florianópolis

Prédio da União localizado na rua Bulcão Viana está há mais de 10 anos sem uso; é mais um caso de prédios abandonados em Florianópolis

Prédio da União localizado na rua Bulcão Viana está há mais de 10 anos sem uso; é mais um caso de prédios abandonados em Florianópolis – Foto: Leo Munhoz/Arquivo/ND

É comum encontrar imóveis em situação de depredação quando se anda por Florianópolis. São construções em lugares privilegiados e com o valor do metro quadrado valorizado, às vezes tão antigos que a cidade foi construída à sua volta.

Esses locais por muito tempo abrigaram empresas e órgãos governamentais, mas as instituições e organizações foram mudadas de endereço e agora servem de depósito ou simplesmente foram deixados de lado ou esquecidos, com a manutenção a desejar.

Em alguns casos, os imóveis abandonados acabam sendo utilizados como abrigo por pessoas em situação de rua, usuários de drogas, depósito de lixo e entulho, e ainda se tornam um excelente criadouro de insetos, como por exemplo o mosquito da dengue, que frequentemente ameaça a população da Capital.

Com a intenção de diminuir os números desse problema em Florianópolis, o Ministério Público de Santa Catarina encabeçou a criação da força tarefa Imóvel Seguro.

Com sete anos de atuação, o grupo, que recebe de duas a três denúncias por semana, já identificou mais de 100 imóveis em condições de abandono e, segundo o promotor de Justiça Daniel Paladino, apenas dois casos não tiveram solução por conta de estarem catalogados em ações judiciais.

O promotor explica que a solução de ordem que é dada a um imóvel em situação de desuso ou abandono, seja ele público ou particular, começa a partir da denúncia que pode ser feita diretamente ao Ministério Público pelo site do órgão ou telefonema.

A partir disso, uma comissão vai até o local verificar a situação. “Não se trata de uma questão de quanto tempo, mas sim das condições em que a construção se encontra”, aponta Paladino. “A análise é feita a partir dos riscos de segurança pública e até sanitárias que o local oferece à população, se há invasão, se há riscos de colapso estrutural, por exemplo”, esclarece.

Na sequência dessa avaliação, cabe ao Ministério Público identificar e notificar o proprietário do imóvel, estabelecendo um prazo que geralmente varia entre 45 e 90 dias, a depender da complexidade da situação, para que se providencie manutenção, limpeza, métodos de proteção e segurança para o local ou ainda, em último caso, a demolição da construção.

“Se o local estiver sendo alvo de invasores, pode se erguer um muro ou tapume de proteção, por exemplo”, explica Paladino. Caso as providências não sejam tomadas no prazo, o próximo passo seria entrar com uma ação judicial contra os proprietários, mas o promotor ressalta que geralmente o problema é resolvido a partir do primeiro contato.

Novos programas do governo federal geram oportunidades para Florianópolis

Casarão Hercílio Luz estava abandonado há 20 anos; foto de antes da reforma

Casarão Hercílio Luz estava abandonado há 20 anos; foto de antes da reforma – Foto: Flávio Tin/Arquivo/ND

O governo federal lançou em fevereiro de 2024 o projeto Imóvel da Gente, que tem como objetivo reconhecer prédios abandonados ou sem uso pertencentes à União e dar a eles destinos sociais como habitação, escolas, centros de saúde e de educação, por exemplo.

Para Neri dos Santos, professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina, o projeto lançado pelo governo federal é excelente para Florianópolis.

“Um dos pontos que o novo Plano Diretor do Município defende é a criação de centros urbanos onde pessoas de diversas classes sociais possam morar no mesmo bairro, dando a todos o direito e qualidade de vida de viver perto do trabalho ou local de estudo, por exemplo.

Casarão da Hercílio Luz depois da reforma

Casarão Hercílio Luz depois da reforma – Foto: Anderson Coelho/Arquivo ND

Sendo assim, um prédio sem uso no centro da Capital poderia ser reformado e comportar dezenas de famílias em apartamentos sociais, dependendo da sua estrutura”, explica.

O Imóvel da Gente seria uma alternativa a um problema que afeta milhares de cidades brasileiras, com prédios abandonados, sem uso ou implicados em questões judiciais, como imóveis de heranças aguardando as conclusões de inventários, por exemplo.

Para o advogado na área imobiliária, Everton Staub, imóveis abandonados ou sem uso significam desperdício de dinheiro para todos, sejam proprietários de imóveis particulares ou de propriedade pública. “Uma construção que não é utilizada se degrada mais rapidamente, porque não recebe as manutenções necessárias”, explica.

“Se o proprietário não tem uma utilização para o local, deveria, por exemplo, colocar à venda ou alugar para gerar lucro, o que também implica em imposto sobre a locação e renda para para a receita do município”, aponta.

Staub acrescenta que um imóvel sem uso ou abandonado é prejudicial também para a vizinhança.

“Toda a rua acaba desvalorizando. A falta de cuidado estimula a depredação. Uma janela quebrada pode se tornar atrativo de vândalos, e o seu entorno também fica prejudicado, chegando até a perder valor comercial. Um imóvel abandonado é ruim para o proprietário, para os vizinhos e para a sociedade”, completa.

Projeto de Lei quer aplicar ação global de restauração de prédios históricos na Capital

Uma prática conhecida e aplicada em centros urbanos do Brasil e do mundo pode se tornar executável em Florianópolis. O projeto Retrofit já foi aprovado na Câmara de Vereadores do Município.

A ideia central dessa ação global seria revitalizar edifícios antigos mantendo seus traços históricos, como na fachada, por exemplo, mas dar a eles além de melhorias, novas formas de ocupação.

Na Capital, o projeto de Lei que tramita na Câmara de Vereadores é da vereadora Manu Vieira (NOVO) com coautoria do vereador Gabrielzinho (Podemos).

O projeto original é de autoria do ex-vereador e hoje deputado Bruno Souza (NOVO), de 2017, que regulamenta a prática do Retrofit em Florianópolis, mas estava arquivado pelo término de legislatura.

De acordo com informações do partido NOVO, o substitutivo apresentado com a participação da vereadora Manu Vieira visa modernizar o projeto original e conta com a parceria de entidades envolvidas em revitalizações de espaços antigos, muitas vezes sem uso, como o SINDUSCON.

O texto considera ainda um importante ativo ambiental favorecer a reutilização de espaços já construídos, visando a sustentabilidade, com base nas demandas de empresários que atuam no ramo, o que facilita a reforma e modernização de edifícios antigos, que muitas vezes se encontram subutilizados.

Olhar atento e carinho pela história podem salvar imóveis abandonados

Tinta envelhecida. Paredes sujas e manchadas. Árvores secas e ervas daninhas para todos os lados. Abandonado por quase 20 anos, o Casarão Hercílio Luz, localizado na Rua Ângelo Laporta, no centro de Florianópolis, poderia ter sido cenário para as gravações de um filme de terror, mas já estava aterrorizante na vida real.

O local, que foi a última morada do ex-governador de Santa Catarina Hercílio Luz, por muito tempo chamou a atenção de quem passava pela rua ou pela Avenida Mauro Ramos e desconhecia a sua história.

O imóvel foi construído em 1848 e tombado como Patrimônio Histórico pela Fundação Catarinense de Cultura em 2002, mas estava com a sua estrutura comprometida devido ao abandono, ação do tempo, dos cupins, de vândalos e até de pessoas em situação de rua que utilizavam o local como abrigo.

Em 2016 a edificação foi adquirida por uma incorporadora, que em três anos concluiu a restauração da casa, começando pela estrutura até todos os detalhes que remetem às épocas da construção e restaurações pelas quais o local passou. Hoje, recuperado, recebe visitas agendadas, eventos diversos e valoriza o patrimônio público e a região na qual está localizado.

O Casarão é hoje em dia a prova de que a atenção e parceria com setores privados podem salvar a história e encontrar utilidade para locais que passam por décadas esquecidos ou desacreditados do seu potencial.

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